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A Maior Coisa que Abomino











Liga e avisa o chefe de tal “princípio de dengue”
e garante que levará o atestado, não o de óbito












            Uma vez ou outra, alguém com muita descontração, pergunta-me qual é a maior coisa que abomino. E a resposta natural é dizer-lhe que o maior crime contra o bom astral do brasileiro seria suportar uma tremenda virose. Que mais há para dizer?
            É isso mesmo, a tal gripe que congestiona as narinas, que incomoda você ao falar no telefone: começa uma ardência acompanhada e uma leve coceira e, quando você quer disfarçá-la, o espirro borrifa como um chuveirinho de partículas de melecas o bocal do aparelho. Aí você dá uma soprada no lenço, semelhante a um som de corneta, jorrando mil bactérias pra todo o lado. Fica espantado com a poluição que emite e, inicia a neurose de preocupação de não contaminar o ambiente. Caso fique invernado em casa ou entocado mesmo, você acaba trocando o lenço de papel pelo papel higiênico, por questão de economia!
            Liga e avisa o chefe de tal “princípio de dengue” e garante que levará o atestado, não o de óbito, assim que estiver mais disposto. Você se joga na jaula e vive aquele universo de ostracismo pelo menos uns 15 dias, curtindo a virose democrática com a sua família. Olha, meus caros leitores e leitoras, um game de reality show.
            Aquilo o transforma no incômodo “fanho”, pois parece que conversa pelo nariz. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Diminui as colheradas de comida, um passarinho que belisca os grãos: um gosto de caqui verde na boca. O peso que você sente na cabeça parece que tomou um litro de uísque made in Pedro Juan, aquele famoso e popular importado encontrado nas boas barracas do ramo espalhadas na cidade.
            Não sabe se assiste TV ou cochila na cama. Uma inquietação na sola dos pés, como pisando em braseiro, nada fica confortável, é o fim da picada, porque tudo incomoda. Despejando o meu rio de lamentações, digo, caro leitor e leitora, vi que transmutei agora para o monumento da chata gripe crônica ou a crônica da gripe devastadora?
            E ainda por cima, para lançar-me no lamaçal de melecas, na última sexta-feira, um amigo Xará convidou-me para tomar uma cerva bem gelada. Deu um tremendo nó de marinheiro e espremi os olhos ao não aceitar o convite no telefone.
            Por assombroso que reflita, no começo da noite, a garganta raspava, sentia como se estivesse sendo enforcado junto à dificuldade em engolir a saliva e para respirar.










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