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Ciclone no Meio das Abelhas












“Salve pássaros que abrem com bicadas o verdadeiro ventre do pântano”

Aimé Césare


Ao romper as molduras,
invoco medos e demônios,
invento heterônimos
e dou posse a outras figuras.

Rubens Shirassu Júnior









            Novos tempos, novas batalhas. Surge a imagem moderna do poeta cibernético em confronto com a globalização do capital selvagem, do consumo desenfreado em plena era digital. Sob o jugo de uma visível desigualdade social, cruel e bastante violenta. O poeta eclético batalha como editor e vendedor, na procura de alternativas para a formação de público leitor e seguidor se dá, paradoxalmente, neste tempo de “politicamente correto.”
            No caso do boom poético da década de 2000, não seria correto classificá-lo como um movimento. Ao contrário, o que se verifica é uma enorme efervescência de poetas, que editam seus livros no sistema sob demanda, representando emergência de tendências, a mais heterogênea, a maioria sob a óptica de narciso e pura vaidade, apenas pelo prazer individual ou egoísta. Em alguns poucos casos, unidos pela bandeira comum da postura anárquica e vitalista na defesa do direito de se agitar a poesia, como forma de resistência ao sufoco e vazio mental do nosso tempo.
            Só acredito em poeta sintonizado com o pathos da euforia dos anos 60 e 70. Ainda, com o pique e os bons fluidos das viradas surrealistas, modernistas e tropicalistas, a poesia sobe à tona a todo vapor.
       Bem no início da década, se ainda não havia configurado o tão falado surto de poesia, pelos menos já estava estabelecido o chamado “surto da indagação”: O que estaria acontecendo de novo na pacata área da poesia brasileira? Ainda com caráter disperso, iniciativas isoladas começam a dar sinais da emergência de uma nova e revitalizante atitude diante da poesia. O jornal Rascunho e a Rádio Kaos, ambos de Curitiba, no Paraná, são dois veículos de comunicação que investem nos poetas com seus versos, palavras e imagens contra o clima de insegurança e desequilíbrio do sistema em que vivemos, além dos valores morais e culturais. Não constituem, entretanto, um movimento unificado. Trata-se apenas de um pipocar literário-social de gente e ideias, de norte a sul do País.
            Assim, a poesia desta década perde a pompa e a solenidade. Os poetas exploram todas as possibilidades do papel – folhetos, cartazes e outdoor – experimenta as ferramentas digitais, a exemplo do clipe, do audiobook, do e-book, e-zine, entre outros recursos. Chega aos muros pelo grafite, sobe aos palcos, alia-se à música popular, organiza saraus e exposições.
            Mais que uma manifestação de denúncia e protesto, a poesia necessita de olhos livres que subvertam as regras gramaticais e a ordem estabelecida, jogando para o ar padrões poéticos, como a rima e o eufemismo, o que lhe valeu, inclusive, o nome de poesia marginal. A profusão de grupos poéticos revelou a necessidade de mudanças no fazer poético e, certamente, gerou nomes que se firmarão como grandes poetas.
            Não, senhores, esses ousados, irreverentes poetas marginais não merecem isso. Suas obras são importantes demais para serem dobradas por convenções catedráticas miopemente ortodoxas. Ora, justiça seja feita aos poetas, como Lindolf Bell, Roberto Piva, Rosário Fusco, Orides Fontela, Mário Faustino, Murilo Mendes, Jorge de Lima, entre tantos outros injustamente esquecidos pelos editores brasileiros, que contribuíram em grande parte com os alicerces dessa nova maneira de encarar a arte poética.
            Celebremos e respeitemos todos os poetas-xamãs, enquanto eles perambulam pelas ruas, esquinas, becos e avenidas, enquanto o pulso e o coração batem viajando por vários caminhos.







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