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Como é Duro ser Pedestre














Para ser pedestre completo, com carteirinha do tipo anônimo velocista das ruas, avenidas, calçadas e tudo, deve levar um embrulho debaixo do braço. Ou sacola de plástico. Uns exageram: levam os dois. E ainda tomam sorvete de massa. Só quem não tem dinheiro sabe como é dura a vida do pedestre. E qualquer famoso não se atreve a ser pedestre.
É fácil reconhecer o pedestre local: olha para o umbigo e pisa na grama. E mete o pé na jaca. Você reconhece o pedestre orgulhoso e metido a rico: Olha para o alto e pisa no cocô de cachorro e, por sinal, a gente tem que andar feito bêbado desviando dos troços. Isto, é óbvio, indica a falta de grama e terra nas casas. Podemos citar também as calçadas fora do prumo da rua que mais parecem montanhas russas, onde você corre o risco de pisar em falso, torcendo o pé. Na maioria das vezes, pela pouca iluminação à noite e, ainda, por ter que abaixar, pois as árvores são baixas.
O pior pedestre é o que tem vergonha de sê-lo. Anda olhando o celular ou iphone pela calçada. Geralmente, assoviando uma música sem harmonia e feita na hora mesmo. Favor não confundir com pederasta como fez um prefeito ao inaugurar um viaduto. Conhece-se esse caso que ficou nos anais da imprensa gaúcha. Mas, pior é o pedestre machão. Ele sabe que o carro está vindo e continua na mesma, na sua. Ele faz o motorizado diminuir a velocidade. Tem uns que fingem até de surdos e mudos! Fica - sei lá por que - feliz com isso. Não são muitos. Morrem cedo. Atropelados.
Eu fico olhando aqui da minha varanda e me perguntando: onde é que aquela gorda vai à esta hora? E aquele menino, está voltando de onde? Aquele homem de terno e gravata deve ser um falso pedestre. Pedestre que é pedestre, não usa gravata nunca. A não ser que esteja indo a uma igreja evangélica.
Estou escrevendo este monte de bobagem porque ando meio duro e, com uma bruta raiva indignada e anônima. Ou seja, sem carro. Tenho andado por esta Presidente Prudente afora e observado mais atentamente meus e minhas companheiras de caminhada, pé ante pé. Tem o apressado, o suado, o que acabou de sair do banho (aonde vai tão cheiroso?), o medroso, o assustado, o curioso, o que chuta latinha, o que chuta tampinha mesmo quando não tem tampinha. Estou escrevendo esta porção de abobrinhas porque tenho pensado muito nos carteiros. Pedestres profissionais por excelência, que lutam, como eu, pela sobrevivência diante das investidas dos carros, ônibus e motos. Pernas pra que te quero, na corrida para chegar na reduzida ilha das avenidas, suado e haja fôlego. Hoje em dia, duvido que tenha uma criança que queira ser carteiro quando crescer. E nenhum pai deve estar pensando: quando crescer esse menino vai ser um carteiro e tanto.
Sim, meu caro vovô e vovó, os carteiros, simpáticos e amarelinhos estão sendo metralhados por bites e sites da net também. Não sobrará um para contar a história, pois as pesquisas mostram que os serviços de entrega terceirizados estão mais rápidos, seguros, entre outras eficiências. Sim, porque numa cidade como São Paulo, e até mesmo Presidente Prudente, dentro de mais umas duas ou três Câmaras como esta, ninguém sairá mais à rua. Nem os cachorros. Nem pombas e gatos. E passarinho vai voar de costas. Talvez, com medo da selvageria, da falta de solidariedade, e egoísmo do homem. Vamos até sentir uma pontinha de saudade do tempo que a gente pisava naquele “cocozinho” com toques de natureza e de vida...




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