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Conversa ao Pé-do-Ouvido














Você não quer assumir a condição de autor, mas no fundo de sua alma sabe como é duro suportar o vazio da alma. Você tem a leve noção do que é admitir a verdade. Por isso, fique de orelha em pé! Vem cá, chegue mais perto, bem mais próximo para uma conversa ao pé-do-ouvido, mas não confunda com pé-de-orelha, por favor. Só quem não tem dinheiro ouve o que não deve. E qualquer famoso não se atreve a abrir as ventarolas em rua apertada de duas mãos.
É fácil reconhecer uma orelha mal cuidada: você olha de trivela para o umbigo, fica frustrado e mete a bicuda nas abas. Grita alto, bem estridente e bate com toda a força na ponta da orelha. Na maioria das vezes, você aproveita a pouca iluminação e falta de guardas nas ruas ou avenidas. Você escreve o nome da paixão, do moto taxista amigo seu, porque não tem grana para fazer uma propaganda com visual mais agradável e argumento mais convincente. Em partes, pela alta embriaguez, dá chutes no ar, pelo volume de linhas cruzadas na tua cachola.
O pior falador é o que tem vergonha de sê-lo. Anda olhando atoa o celular pela calçada. Geralmente, assoviando uma música sem harmonia e feita na hora mesmo. E tem a cara de pau de despejar suas sandices na orelha de padre. Você reconhece o orgulhoso e metido a rico: olha para o alto e pisa na jaca e, por sinal, uma garça empinando os troços na passarela. Isto é óbvio, indica o medo pela falta de volume de dólar na carteira e pelo tamanho grande de suas orelhas.
Ando meio de orelhas ardendo em fogo. Ou seja, sem orelhas de Dumbo, lembrando o elefantinho que voa através das ventanas de abano. Tenho andado por esta Presidente Prudente afora e observado mais atentamente os indivíduos que transferem suas neuras e fobias ao pé-da-orelha. Tem um que liga pra namorada desde a ida ao trabalho, na hora do almoço e no retorno à sua casa. Eu fico olhando aqui, da minha varanda, e me perguntando: onde é que o homem de terno e gravata vai, deve ser um falso pedestre. Pedestre que é pedestre, não usa gravata. A não ser que esteja indo a uma igreja evangélica. O que faz?: Discagem Direta Interestelar a zero hora perguntando se Jesus Cristo está chegando!
            Um meio assustado corre até da própria sombra, depois de girar a cabeça, cola um papelzinho com números do sorteio do jogo do bicho, perdidamente embaralhado nos fones de predadoras da noite, de madame Zoraide, cartomante, taróloga e “spiritual personal”, você, leitor e leitora gostaram do novo termo chique, jogaram um verniz que maquiou bem a antiga e conhecida conselheira espiritual. Flórida, não é dos Estados Unidos, viu. Freudeu tudo! Para alegria e gozo do Dr. Freud que deve estar rolando de rir!
            Sigo neste desabafo porque tenho pensado muito nos orelhões, para ser mais claro, os telefones públicos. É isso mesmo. Consolo dos pobres pedestres, solitários, dos solteiros, das mal-amadas, peruas, viúvas, bêbados, mariposas entre outros, por excelência, que são agredidos e expostos às investidas dos carros, ônibus, motos e pirados de toda espécie. Este seu ouvinte e bem público está se tornando uma espécie em extinção. Todos os dias muitos são malhados como Judas no Brasil. Segura nos freios do impulso, malucos e malucas feias. Se você não sabe resolver os seus problemas, procure ajuda e esvazie a cabeça de caraminholas. Chegará um tempo que o orelhão ficará exposto numa exposição como peça rara de museu. E se um dia, você precisar de um orelhão para chamar o Resgate, acionar a viatura ou bombeiros e não encontrar um se quer que funcione? Pernas pra que te quero, na corrida para achar um telefone, uma mão em forma de concha, que pode até salvar a sua querida mamãe ou outro ente familiar, vai ficar muito suado e haja fôlego.
Sim, meus caros coroas, minhas coroas, vovô e vovó, os orelhões, estáticos ovóides e azuizinhos estão sendo metralhados por bites e sites da net também. Será que sobrará um para contar a história? Sim, porque numa cidade como São Paulo, e até mesmo Presidente Prudente, dentro de mais uns três ou seis anos, ninguém sairá mais à rua. Talvez, com medo da selvageria, da falta de solidariedade, e egoísmo do homem. Vamos até sentir uma pontinha de saudade do tempo que a gente ligava nas rádios oferecendo uma música legal à paquera, naquele “jeitinho coreografado, telegráfico” com toques de romantismo, de sonho e vida... Isso causava um frisson, além da expectativa, quando contávamos os segundos para não finalizar a ficha.




(Crônica do livro “Novas de Macho na Cozinha e Outros Ingredientes”,
editora Clube de Autores, São Paulo, 2011.)




Mais informações, clique e acesse a página do livro
na home page da editora.







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