O
Brasil está envelhecendo. O último censo demográfico estimou que 34 milhões de
pessoas têm mais de 60 anos. Deixamos de ser o país do futuro. Entretanto,
permanece a percepção individual, social e institucional de que somos jovens. O
velho ainda é tratado como o outro minoritário, sem importância e invisível.
Para o médico e professor Egídio Dórea, coordenador do programa USP 60+, mesmo
que o último censo demográfico tenha contabilizado 34 milhões de pessoas (15,2%
da população brasileira) nessa faixa etária, elas ainda são invisibilizadas na
sociedade. E, quando questionados sobre como eram vistos pelos mais jovens,
relataram: desprezados, desrespeitados, maltratados, incompreendidos e alvos de
preconceito”, ressalta.
Para
entendermos a origem do idadismo precisa-se perceber os discursos
antienvelhecimento que se colocam em diferentes espaços sociais. Não se nasce
idadista, até porque a família é um lugar, por excelência, intergeracional.
Mas, conforme crescemos, somos bombardeados por narrativas de várias ordens que
nos levam – na juventude, idade adulta e até na velhice –, a sermos idadistas
com os outros e até com nós mesmos. Ou seja, “a construção das narrativas
idadistas vai nos habitando devagarinho ao longo da vida, formatando um
imaginário coletivo carregado de preconceitos, mitos e ideias errôneas em
relação ao envelhecimento e à velhice em si”.
O idadismo
pode ser implícito ou explícito, e ser expresso, em nível micro, meso ou
macro”. Essa definição considera não somente os estereótipos negativos, mas
também os positivos; evidencia seus componentes cognitivo, afetivo e
comportamental; e enfatiza sua importância individual, social e
institucional.
A
teoria mais aceita sobre a gênese do idadismo: a da incorporação de
estereótipos. Imagens negativas de pessoas idosas são apresentadas durante a
infância e incorporadas sem análise crítica. Permanecem silenciosas e, quando o
indivíduo é colocado em uma situação na qual a idade passa a ser um critério de
avaliação, tornam-se ativas e passam a influenciar e determinar sentimentos e
comportamentos. Observa-se o velho como incapaz, improdutivo, doente e sinônimo
de morte. Em um sentimento de autopreservação, afastamo-nos. Rechaça-se a
percepção pessoal da nossa velhice, convertendo a estigma. Somente o outro
envelhece. E assim, o idadismo perpetua-se.
Nas
culturas ocidentais, fundamentadas na produtividade e no individualismo, ele [o
idadismo] torna-se mais presente. Alimenta-se o pensamento de que o idoso não
mais produz economicamente e, como tal, deve ser excluído. E considerado o mais
comum dos preconceitos.
Estudos
realizados desde a década de 1980 mostram que 60% a 90% das pessoas sentiram-se
discriminadas ou desrespeitadas por serem mais velhas. No Brasil, pesquisa do
Instituto Datafolha mostrou que 9 entre cada 10 brasileiros acreditavam na
existência do idadismo. Sua prática não penalizada e, com isso, imagens, piadas
e comentários continuam sendo exibidos pelas mais diversas mídias. Por ser tão
frequente passa despercebido até mesmo pelas próprias vítimas. Afinal, quem não
se sentiu feliz ao ser tomado por uma pessoa mais jovem?
Outra
característica do idadismo a transculturalidade. Nas culturas ocidentais,
fundamentadas na produtividade e no individualismo, ela mostra-se mais presente.
Alimenta-se o pensamento de que o idoso não mais produz economicamente e, como
tal, deve ser excluído. E que o indivíduo torna-se o único responsável pela
forma como envelhece. Apesar da cultura oriental ser mais coletivista, o
envelhecimento significativo das suas populações, com suas repercussões
econômicas, tornou o idadismo mais comum.
A
economia determina o idadismo nas sociedades. Em épocas de recessão econômica,
como visto na pandemia da Covid-19, a pessoa idosa fica mais discriminada –
maior isolamento, desemprego, abuso e pobreza. Culpa-se a velhice pela
estagnação econômica, superlotação hospitalar e quebra da seguridade social. E
termos negativos bombásticos, como “avalanche prateada” e “tsunami prateado”,
são disseminados e passam a fazer parte do nosso imaginário subconsciente do
que representa a velhice.
Sendo
também o mais prejudicial dos preconceitos com impactos negativos na saúde
física e mental: maiores taxas de incapacidade, ansiedade generalizada,
depressão, ideação suicida, doença cardiovascular, demência e redução da
expectativa de vida. As pessoas idosas são tratadas de forma padronizadora e
infantilizada. Passam por consultas que duram menos tempo do que o necessário
para que possam ser efetivas, exames e tratamentos que não são solicitados e
introduzidos porque um número definidor – idade – determina se você deve ou não
viver.
Em
uma sociedade que estabelece normas de como devemos nos vestir, comportar,
relacionar e falar –, e que, consequentemente, responsável pelos atos de
preconceito, discriminação e violência que estão cada vez mais frequentes,
deveria ser prioritária a elaboração de políticas e de programas que visem a
inclusão. Como cidadãos, temos a responsabilidade de avaliar os nossos
pensamentos e atitudes, bem como o comportamento dos outros, escrutinar a
existência do preconceito e combatê-lo. Este o momento de agirmos e buscarmos
uma sociedade em que o outro não seja somente definido pela sua idade, cor da
pele, sexo ou identidade de gênero, religião ou índice de massa corpórea.
Nesse
contexto, precisamos indagar: existe esperança para essa sociedade distópica
que, ao mesmo tempo, em que investe bilhões em recursos tecnológicos e
pesquisas para extensão da longevidade, exclui a pessoa mais velha e é incapaz
de reconhecer toda a sua complexidade, riqueza e potencialidades? O que nós,
como indivíduos, comunidade e sociedade, podemos fazer para combater o
idadismo? Conhecimento e intergeracionalidade – na família, na escola e no
trabalho – reduzem os preconceitos.
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