Analisar
a obra de um escritor desconhecido é enfrentar a possibilidade de não encontrar
fontes, e se transformar em um desafio tentador. Pelo pioneirismo de uma obra
de fôlego que trate do legado poético de Marly de Oliveira (1935-2007) e pela extensão
de sua obra – dezenove livros, sendo duas antologias.
Muito
mais pela quantidade salta aos olhos a qualidade de uma escritora versátil que
domina a língua como poucos. Uma poetisa que aprecia os contrários, porque,
concomitantemente, demonstra o sentimento profundo do lírico e o desencanto do
observador-filosófico. Possui a capacidade de modelar à modernidade, através da
linguagem a antiguidade dos mitos, dos deuses, das tragédias, do trágico. Vale
lembrar que ela não faz essa viagem poética sozinha, pois sempre chama o leitor
a vir consigo.
Tendo
em vista a situação histórica e político social que circundava Marly de Oliveira, é possível encontrar em sua escrita essas marcas,
principalmente no que toca à alienação humana. Mas a poeta não levanta
bandeiras, entretanto, utiliza-se de uma linguagem peculiar e sutil. A poética
marliana chama aquele leitor interessado em ver além daquilo que está à sua
frente. Percebe-se que a partir do livro Contato,
a poeta deixa seu lado observador tomar mais espaço em sua poética. Certas
características desenvolvidas mais plenamente de Contato em diante, como a preocupação com a efemeridade do tempo,
já pontuavam a obra da poeta desde de Cerco
de primavera, seu primeiro livro.
Mas
é a partir de seu sexto livro que amadurecem sua observação e pensamento, é
nesse momento que Marly começa delinear em seus versos marcas peculiares do
trágico numa acepção mais moderna, de seu tempo, em que a depressão, a
melancolia, a cegueira, o silêncio podem ser tidos como possíveis formas do
trágico. Valem lembrar ao leitor que, se espera conceitos definidos para o
trágico, mormente, ficará frustrado. Igualmente, se procurar respostas na
poética de Marly de Oliveira. Ela,
assim como o trágico, não resolve a questão, na verdade, ela questiona.
Finnazi-Agrò e Vecchi (2004, p.6) relatam que:
Quem pretendesse encontrar aqui [...]
uma conceitualização normativa do trágico moderno e uma definição excludente
dessa categoria acabaria por ficar inexoravelmente desiludido. De fato, para
além da inviabilidade de uma teorização unívoca e de uma delimitação
epistemologicamente rígida, dentro da monumental tradição crítica sobre esse
tema (se pense, por exemplo, na inesgotável discussão sobre o caráter trágico ou
anti-trágico da dialética), coexistem, como se verá, quase em conflito entre
si, várias visões hermenêuticas que até decorrem de bibliografias teóricas
heterogêneas.
Características
da tragédia e do trágico são pertinentes na poética marliana, levando-se em conta
que a poética de Oliveira apresenta contrariedades, heterogeneidades. Em um
verso diz-se algo que no seguinte é desdito, há a ênfase nas antíteses, nos
paradoxos. Há ainda de se considerar o pensamento reflexivo e filosófico, que
abunda nos versos marlianos. A poeta constata que o mundo está em queda livre
para o desamor, a petrificação, a robotização, a dominação sem resistências. Tudo
isso são sintomas da realidade trágica em que vive. Mas Marly de Oliveira não se desfaz de seu traço clássico, fruto dos
anos em que viveu em Roma, especializando-se em Línguas Neolatinas, assunto de
sua licenciatura e bacharelado. Por isso, é possível encontrar em sua poesia
mitos e características próprias da tragédia antiga.
Entretanto,
a poeta traça, com suas obras, estreito diálogo com a filosofia de Albert Camus, o absurdo. Sendo assim,
decidiu-se abordar o trágico, nomeado por Camus como absurdo, na poética de Marly de Oliveira neste ensaio.
No
que compete ao trágico moderno, levantam-se alguns sinais, principalmente os
mais avultados nos poemas-livros marlianos, como a petrificação e a alienação
humana, a passagem do tempo, a mudez, a cegueira, a imobilidade, o desânimo, a
depressão, a tentativa frustrada de afirmação de si e das coisas, a
problemática para exprimir algo amorfo, a solidão e, enfim, a perda.
Do
absurdo, abordou-se a consciência absurda, a revolta, a solidariedade, o não à
esperança, o direito à felicidade, o amor pela vida absurda, trágica. Por fim,
pode-se afirmar que quase todo o pensamento de Camus, na forma de influência adquirida
de Marly de Oliveira, está presente nas próximas análises críticas.
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