Nas
artes ou nas ciências, o ser humano alimenta, continuamente, o desejo de
prolongar sua existência, sem precisar envelhecer. Na obra O retrato de
Dorian Gray (1890), do irlandês Oscar Wilde (1854-1900), o
personagem-título faz um pacto para permanecer com a aparência jovem
eternamente. Uma crítica feita pelo escritor ao notar a supervalorização de uma
beleza submetida à juventude. Sob a égide do mesmo pensamento desse
protagonista, dois séculos após a publicação do livro, investimentos
milionários impulsionam pesquisas científicas a investigar formas de retardar o
envelhecimento e, até mesmo, adiar a morte. Consequentemente, a saga pela
juventude eterna não só provoca o sentimento de desdém pelas pessoas mais
velhas – tidas como “desnecessárias”, “improdutivas” e “problemáticas” –, como
dificulta o convívio e o intercâmbio entre gerações. O preconceito contra
pessoas acima dos 60 anos de idade tem nome: idadismo, etarismo ou
ageísmo.
Em
um país que cultua a beleza física, permanecer jovem fica praticamente
mandatório. Abraçar a velhice e reconhecê-la com todos os seus atributos
positivos e negativos fica impensável. E seguimos na busca incansável e
infrutífera pela juventude perdida. No olhar do outro, você será percebido como
mais velho. E, nesta relação geracional, três aspectos alimentam o
idadismo: (1) Sucessão – os mais velhos devem ceder espaço para os mais
jovens; (2) - Benefícios sociais – aposentadorias prolongadas e uso
excessivo dos recursos de saúde com prejuízo aos mais jovens; - Apropriação de
costumes considerados da juventude e, com isso, usurpação de uma identidade que
não lhes pertence. As pessoas idosas devem se vestir e se comportar de
forma apropriada à sua geração. E (3) Estereótipos prescritivos – o que a sociedade
aceita como comportamento adequado para uma pessoa mais velha – limitam, desta
forma, as possibilidades de escolha e de expressão. Todos devem ser iguais e a
heterogeneidade não é mais permitida. O que é visto como criativo e irreverente
na juventude passa a ser ridicularizado na velhice.
Há
muitas definições de senso comum que compõem o que se chama de mitos do
envelhecimento, e que subjugam os velhos e velhas contemporâneos por considerar
essas pessoas como ultrapassadas, inúteis, incapazes, improdutivas,
desatualizadas, entre outras definições que reforçam os preconceitos que se tem
em relação às pessoas mais velhas – o chamado idadismo.
Não
se nasce idadista, até porque a família mostra-se um lugar, por excelência,
intergeracional. Mas, conforme crescemos, somos bombardeados por narrativas de
várias ordens que nos levam – na juventude, idade adulta e até na velhice –, a
sermos idadistas com os outros e até com nós mesmos. A construção das
narrativas idadistas vai nos habitando devagarinho ao longo da vida, formatando
um imaginário coletivo carregado de preconceitos, mitos e ideias errôneas em
relação ao envelhecimento e à velhice em si. Por isso, temos vergonha de nossa
velhice e, assim, reproduzimos os preconceitos de idade que começam lá
atrás.
Do
ponto de vista biológico, envelhecer seria um fenômeno que afeta todos os seres
vivos. Assim, a vida é um fluxo mutável e heterogêneo. No entanto, pela
ciência, e na perspectiva psicossociológica, mais especificamente, a partir da
década de 40 do século passado, chegam as primeiras narrativas teóricas sobre o
envelhecimento. Torna-se idadista porque em quase todas as teorias científicas
sobre o envelhecimento prevalecem imagens negativas, com o excessivo enfoque
nas perdas e declínio, acentuando a vulnerabilidade do ser e a aceitação da
velhice como condição contemporânea. Ou seja, fenômeno da condição humana e
social a ser tratado como um direito e conquista social da humanidade.
Pensando
nas gerações futuras, quais são os legados que estamos deixando para elas: que
continuem idadistas ou que teçam uma solidariedade intergeracional?
São
várias as teorias. Entre elas, destaco as que apontam o declínio das atividades
físicas e mentais associadas à idade, que propiciam o surgimento de doenças
psicológicas, além do afastamento e da perda do papel social das pessoas
idosas, que provocam o decréscimo nas interações sociais. Outras teorias
associam a velhice à redução da reserva funcional, com a diminuição da
resistência às agressões e o aumento do risco de morte, ou seja, diminuição
progressiva de eficiência de funções orgânicas. Há ainda aquelas que assinalam
que as interações sociais estão sujeitas à relação custo-benefício e que,
portanto, as pessoas idosas, por possuírem menos recursos (físicos, materiais, psicológicos,
intelectuais, tecnológicos), são afastadas ou têm sua liberdade de escolha
prejudicada no sistema de trocas com as gerações mais jovens, pois na era da
tecnologia, especialmente, o saber está centrado no jovem, e não mais nas
pessoas mais velhas.
Teorias
que, em outras palavras, dizem que a saída de pessoas idosas da sociedade é
para que elas se preparem para a morte, como se esta não fizesse parte da vida,
e fosse apenas uma questão de velhos e velhas. Essas narrativas teóricas foram,
de certa forma, habitando o imaginário coletivo, levando-nos, como sociedade, a
termos práticas excludentes, potencialmente destrutivas e idadistas.
Transforma-se
idadista pela narrativa numérica estampada em manchetes da grande mídia,
apontando o aumento veloz de pessoas mais velhas em detrimento de outros
grupos, e que isso é um “problema” para o Estado, para a sociedade e, claro,
para a família. Aqui, vale a pergunta: será a velhice um “problema” ou ela tem
problemas? Ora, se entendemos que a velhice é um problema, e se crescemos
ouvindo isso o tempo todo, quem gostaria de envelhecer? Acredito que ninguém
quer ser um “problema”, mas muito comum ouvir de nossos familiares mais velhos,
e até de nós mesmos, que não queremos ser um “problema” para nossos entes queridos.
Essa
narrativa numérica, que associa a velhice com doença, se reforça pelas
produções acadêmicas disseminadas nas mídias, inclusive na área da
gerontologia, ciência que, grosso modo, estuda o impacto do envelhecimento no
coletivo e no indivíduo. Vimos como a ciência tem grande responsabilidade na
construção de narrativas idadistas.
Passa-se
idadista por outra narrativa construída, no campo econômico, onde aponta que o
envelhecimento populacional pressiona os gastos públicos, sendo um fardo para o
país e, claro, também para a família. Ou seja, a velhice é vista como uma etapa
da vida que representa só gastos, um fardo para o Estado, para o município e
para a família. Essa narrativa, estampada em manchetes na grande mídia, acaba
internalizada ao ponto de, mesmo eu, estudioso do envelhecimento, me ver
repetindo interiormente que não quero ser um fardo para eles.
Torna-se
idadista por mais uma narrativa midiática que nos bombardeia diariamente, cujo
imperativo da juventude nos leva – já que não se pode parar o processo de
envelhecimento que começa desde quando nascemos – querer envelhecer sem parecer
que se está ficando velho ou velha. É o imperativo da juventude como valor a
ser perseguido a todo custo.
Faz-se
idadista por todas essas narrativas apontadas. E, como vimos, todas elas social
e culturalmente produzidas, como já dizia Beauvoir. Portanto, não se nasce com
elas, mas se aprende através da socialização. E, nesse caso, o que acontece é
que somos “ensinados” a ser idadistas. Podemos produzir – social, cultural e
cientificamente – outras narrativas, afinal, não somos apenas reprodutores de
culturas, mas construtores. E pensando nas gerações futuras, quais são os
legados que estamos deixando para elas: que continuem idadistas ou que teçam
uma solidariedade intergeracional?
Como
diz a ativista norte-americana Ashton Applewhite: “O preconceito de idade é que nos coloca contra nosso futuro, e um
contra o outro. E esse outro somos nós”. Não se nasce idadista, torna-se
idadista!
Comentários
Postar um comentário