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Mostrando postagens de 2025

Gênero que superou o preconceito (4)

  Sonhos do Carnaval de Di Cavalcanti (Quarta e Última Parte) Uma propaganda dos anos 1950 vendia uma toalha de plástico dizendo: “parece linho, mas é linholene”. Escrever crônicas, principalmente as melhores, parece dos exercícios mais simples. O verbo não posa empáfia, a semântica joga com as palavras curtas, de uso comum, e os personagens não vieram do fabulário grego nem das estátuas romanas, mas de alguma esquina do bairro. Parece simples, parece Linholene, mas é linho puro. O crítico Antônio Candido, que classificava a “ persistência da crônica ” como “ um fenômeno interessante da literatura brasileira ”, viu que havia caroço sofisticado por baixo do angu de Braga e da maravilhosa geração dos anos 1950: “Tanto em Drummond quanto nele (Braga) observamos um traço que não é raro na configuração da moderna crônica brasileira: no estilo, a confluência de uma tradição, digamos clássica, com a prosa modernista. Essa fórmula foi bem manipulada em Minas (onde Rubem Braga viveu alg...

Gênero que superou o preconceito (3)

  Pintura de Di Cavalcanti (Terceira Parte) De início, esses textos que você vai ler não tiravam qualquer onda de se perpetuarem nos almanaques das obras imortais, como é a vontade dos que escrevem um romance. Podiam ser esquecidos no dia seguinte e ninguém ficaria aborrecido com isso. Mas o que fazer se pela qualidade, pelo frescor, pelo tom amigo de conversarem com as gerações seguintes, essas crônicas transcenderam a edição do jornal, continuam atuais e fazendo bonito diante da escrita que evolui? A base de estilo plantada por Alencar e Machado passou pelo frenético andarilho de João do Rio-e-seus-blue-caps-na-belle-époque. Em seguida ganhou formato que ainda se lê hoje com a aparição dos escritores roqueiros de 22. Os modernistas radicalizaram em suas propostas, em romances e poesias, o que já havia nas crônicas desde o início: a vontade de deixar a língua “a fresca”, coloquial, sem medo até, por que não?, de fazer piada. Valorizavam as pequenas cenas e, mesmo em assuntos s...

Gênero que superou o preconceito (2)

  Ciclista (1990) de Iberê Camargo (Segunda Parte) Os exemplos reunidos nesta série de ensaios são clássicos elegantes desse modo particular de escrever que se rotula como crônica, uma iguaria de sal regado a gosto, onde são valorizadas todas as veleidades idiossincráticas – menos palavrões desse jaez. Afetação zero. Eles posam no máximo um jeitão despretensioso, próximo do coloquialismo dos papos de botequim, como costumava fazer Aldir Blanc, ou da conversa jogada fora numa praça de Copacabana, como dissimula João Antônio. Vale tudo, menos ser chato. A princípio essas crônicas tinham compromisso apenas com o efêmero, encher meia página de jornal, manter ocupados os olhos do leitor, e serem esquecidas imediatamente. Deveriam ter a durabilidade de uma notícia. Não foi possível. João Ubaldo Ribeiro, Humberto de Campos, Carlos Heitor Cony não conseguiriam. Transportadas para as páginas dos livros, as crônicas criativas mantém surpreendente vitalidade e frescor. Os cronistas desta ...

Gênero que superou o preconceito

  Os carretéis de Iberê Camargo Craques pelo poder que seus textos têm de seduzir e se tornaram clássicos de referência da nossa educação literária e sentimental A crônica não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz literatura também. Textos feitos para o momento e que, pela qualidade, vão ficar para sempre. Eis o breque desta série de autores que transformaram um gênero, chamado ora de menor, ora de literatura de bermuda, num chorrilho interminável de grandes clássicos de referência de bons momentos em nossa língua. A crônica brasileira tem uma cara própria, leve, bem humorada, amorosa, com o pé na rua. Quase 170 anos depois de instaurada nos jornais, ela apresenta uma espetacular capacidade de se reinventar e se comunicar com o leitor. Literatura é tudo aquilo que permanece. É o caso dos cronistas que vêm no próximo ensaio. Se levar a palavra ao pé da letra e destrinchar o radical grego chrono , tempo, você vai chegar à aborrecida definição que o dicionário dá para c...

Crítica à esquerda festiva

  ( Oitava   e Última Parte ) Como o poeta Drummond, Antônio Callado em seus romances indaga sobre a existência da nação, em vez de partir dela como um dado. E, ainda, como o poeta que reescreve a canção de exílio de Gonçalves Dias, Callado também a atualiza revelando o exílio mais terrível e mais difícil de superar: o exílio do lado de cá, o lá encarnado aqui, para onde não se volta de avião ou de barco. Depois de Quarup , o próximo romance que Antônio Callado publicou foi Bar Don Juan . Costuma ser visto como uma crítica à chamada esquerda festiva, no tempo das guerrilhas. Época em que intelectuais de esquerda, derrotados em 1964, acalentavam o sonho de fazer a grande revolução na América Latina, unindo-se a Che Guevara na Bolívia. O livro mostra esses intelectuais revolucionários falando mais do que agindo; na maior parte do tempo, fazendo seus planos num bar do Rio de Janeiro cujo nome se liga ao de João, um dos personagens centrais e marido de Laurinha, ambos presos e...

País mascarado (7)

  (Sétima Parte) Os impasses do escritor na busca do sentido em meio ao fragmento, da qualidade estética do romance político, da legibilidade na realidade ilegível, transparecem talvez ainda mais em Sempreviva , que propõe uma visão quase freudiana da História, convidando-nos a descer aos porões de cada um para localizar as raízes do sadismo, no indivíduo, e do fascismo, na sociedade: os avessos dos tios Lulus, dos Shibatas/Knuts e dos Fleurys/Claudemiros. Que nessas tentativas uns acusem o hermetismo ou a linguagem excessivamente elaborada (críticas correntes a Reflexos do Baile e a Sempreviva, respectivamente) é natural. Afinal, a busca se dá em terreno adverso e em tempo desesperado e desesperançado. À margem da nação O que fica de bastante significativo para a nossa reflexão é a ironia que, machadianamente, vai minando a imagem do Brasil gigante, de florestas exuberantes, flores perfumadas e belas Iracemas, para deixar aparecer o que ela mascarava: a situação da maior p...

País mascarado (6)

  (Sexta Parte) A utopia revolucionária de Nando e essa nova religiosidade bebem muito na fonte da civilização indígena, mas também nas heresias do matriarcado. É o signo da Virgem Maria, cultuada no passado pelos portugueses, relembrada por Antonio Vieira no Sermão da Nossa Senhora do Ó e reinventada em Francisca ou Lucinda (as mulheres-terra-mulheres-flor), que permite sustentar a possibilidade de plantar sementes de um mundo novo onde “ Francisca é o centro de Francisca ”. Essa “ identificação da mulher com a terra, do sexo com o centro do país (veja-se a cena de amor de Nando e Francisca entre as orquídeas) e do centro do país com o centro da vida – o sentido da existência – define a necessidade de integração global ”, que Ferreira Gullar localiza em Quarup e que permanece no horizonte dos romances posteriores, apesar de todo o empobrecimento da dimensão utópica que se observa neles. Callado é um tanto profético, também nesse sentido, porque meio reichiano e marcusiano, a...

País mascarado (5)

  ( Quinta Parte ) Tensão entre o exterior e o interior A partir de Quarup , a batalha entre Deus e o diabo se transfere definitivamente da arena interior do homem para a arena social. E, nesse terreno, daí para a frente, o escritor-repórter fará a cobertura da luta. Mas o romancista que deu os primeiros passos na esteira do romance católico, preocupado com as grandes batalhas desenroladas na consciência do homem, não abandonará o terreno íntimo. A tensão entre a perspectiva externa do romance histórico-político e a perspectiva interna do romance intimista, com maior ou menor insistência, será uma característica dessa ficção, de Quarup a Sempreviva , sendo que neste último a opção parece ter sido mais radical, pelo filtro subjetivo dos acontecimentos históricos, contrariamente ao enfoque exterior, privilegiado em Reflexos do Baile . Essa tensão entre o exterior e o interior se expressa, em Quarup (e também em Bar Don Juan ), pela metáfora do centro . A busca do centro geog...

Lançamento de antologia

  Em 17 de setembro, quarta-feira, a Academia Venceslauense de Letras (AVL) fará, no Anfiteatro Nelson Reis Oberlaender (localizado na Avenida Princesa Isabel, nº 115, em Presidente Venceslau, São Paulo), a partir das 19h30 , o lançamento de sua   4ª Coletânea cujo título é “ Magia da Leitura ”. A atual publicação contém textos de 14 acadêmicos, com temática livre, podendo ser do gênero narrativo ou poético. Compõe ainda essa compilação 10 textos selecionados e oriundos do Concurso “Prosa e Versos” idealizado pela Academia e voltado às escolas de primeiro e segundo graus da cidade. Antes desta produção, a agremiação literária já lançara outros três títulos: “ Sons da Alma ”, “ Emoções que florescem ” e “ Entrelinhas ”. Conforme as antologias anteriores, “ Magia da Leitura ” será doada a todas as escolas de Presidente Venceslau, nas bibliotecas locais e da região oeste do Estado de São Paulo. A viabilização desta publicação contou com proventos da Lei “Aldir Blanc” (Lei nº...

País mascarado (4)

  ( Quarta Parte ) Marca do pensamento católico Caracterizando o romance brasileiro posterior a 1930, Alfredo Bosi considera que, ao lado das tendências experimentais (seguidoras do novo romance francês), há três outras correntes: a intimista, a nacional-popular, do romance político e social, e a tendência do romance religioso (as três, ainda, desenvolvendo vertentes abertas em 1930). E vê pontos de contato entre as duas últimas, porque “ ao lado das relações políticas, stricto sensu, há um retorno das consciências religiosas às suas fontes pré e antiburguesas ” que se, manifesta na obra de escritores como Otávio de Faria e Lúcio Cardoso, por exemplo, no Brasil. No estrangeiro, são representantes dessa tendência, entre outros, Saint-Exupéry, George Bernanos, Julien Green e Graham Greene, este último frequentemente citado por Antônio Callado. Para esses escritores, diz ainda Alfredo Bosi “ o problema do engajamento, qualquer que fosse o valor tomado como absoluto pelo intelectua...

País mascarado (3)

  (Terceira Parte) Que País é esse?             Da ficção de Antônio Callado, em seu conjunto, transparece um projeto que se poderia chamar de Alencariano, na medida em que seus romances tentam sondar os avessos da História brasileira, aproveitando para tanto, junto com os modelos narrativos europeus (influência sobretudo do romance francês e do inglês) e brasileiros (o próprio José de Alencar e Machado de Assis, entre outros), a passagem do país tropical. Mesmo nos últimos livros, onde se pode ler um grande ceticismo em relação aos destinos do Brasil, permanece o deslumbramento pela exuberância da nossa natureza. Vista em bloco, a obra ficcional de Antônio Callado é uma espécie de reiterada “canção de exílio”, ainda que às vezes pelo avesso, como em Sempreviva (sexto romance publicado em 1981) onde o herói, Vasco ou Quinho – o “involuntário da pátria” – é um exilado em terra própria. Da religião à política O livro mai...

País mascarado (2)

  (Segunda Parte) “Em uma hora de conversa com Francisco Julião na sede das Ligas Camponesas, em Recife, vi o atender a esses casos pessoais que nem consertam a sociedade e nem ajudam a vida dos políticos. Mas que se há de fazer quando entra uma cabocla tendo nos braços uma criancinha exausta de chorar e em cuja cabeça há um tumor enorme?” ( Tempo de Arraes , Antônio Callado ) Na primeira parte do ensaio, descrevi que Antônio Callado transpõe em seus primeiros livros a rica experiência ganha nas viagens de repórter pelo país e exterior. E, na medida que conseguia fazer um certo nome passou a escolher os seus assuntos. Trabalhava no jornal Correio da Manhã quando resolveu conhecer os povos indígenas e a impressão que aquilo lhe causou foi tão forte, tão profunda, que guardou esse material para depois elaborar um romance. O livro Quarup é fruto de um contato jornalístico que pode fazer por escolha própria. Além do que, se destacava pelo espírito sagaz de observar o momento his...

País mascarado

  (Primeira Parte) Escritor com sólidas raízes no jornalismo, Antônio Callado transpõe para seus livros a rica vivência adquirida nas andanças de repórter pelo país e exterior. O fato narrado pode ser verídico ou fictício, mas sempre o envolve uma aura de realidade. Nos livros-reportagens, como Vietnã do Norte e Tempo de Arraes , Callado não se coloca como simples relator dos acontecimentos, mas semeia aqui e ali atentas considerações que enriquecem o texto. Na ficção, monta em geral os personagens e ações sobre sobre um momento histórico, que pode cruzar fronteiras e recriar os movimentos de Guevara na Bolívia, em Bar Don Juan , ou situar-se aqui mesmo, na perseguição de Quinho aos policiais torturadores-matadores de sua mulher, em Sempre Viva . Essa habilidade tem seu grande instante em Quarup , em que Callado consegue amoldar magistralmente o romance à realidade e, ao mesmo tempo, utiliza uma linguagem cambiante na narrativa, incorporando às vezes o próprio linguajar dos p...

Realidades cruéis e humanidade

  “Peguei de novo o trem (o último por sinal) e algum tempo depois estava de volta ao necrotério. Tirei a jaqueta, deitei-me, resignei-me à minha irremediável condição de morto. Não tinha outra coisa que fazer.” (“ Morto, sem Dúvida ”, Herberto Sales) Percorrendo caminhos que vão do convencional ao absurdo, a temática de Herberto Sales é diversificada. Em todos os textos, porém, sejam romances ou contos, há um elo de ligação, que define a proposta literária do escritor: a denúncia das deficiências da sociedade contemporânea. O abuso de poder dos coronéis nordestinos, a vida precária dos garimpeiros e madeireiros, a fragilidade de pessoas-mitos familiares, a estúpida burocracia oficial e empresarial, as obsessões do ser humano, o consumismo alienante, o estreito controle estatal sobre o indivíduo – estes alguns dos alvos da crítica de Herberto Sales, que questiona, sem partidarismos, toda forma de degradação humana. Atento observador da sociedade, Herberto capta com sensibil...

Vencedores do 7º Prêmio Scortecci

  Tendo 533 poemas inscritos, a Comissão Organizadora do 7 º Prêmio Scortecci de Poesia 2025 escolheu 60 autores de vários Estados do Brasil. Os selecionados de São Paulo e interior são: Altair Maciel (São Paulo), Carla Vanessa Gonçalves, Carolina Rieger Massetti Schiavon (Osasco), Geraldo Trombin (Americana), Helena do Carmo da Silva Fraga (São Vicente), João Batista de Assis Neto (São Paulo), José Alberto Lopes (São Bernardo do Campo), Rubens Shirassu Júnior (Presidente Prudente), Lucas Peres Bet (São Paulo), Lúcio Rodrigues Júnior (Tatuí), Margareth Artur (São Paulo), Maria Carolina Bombonato Prado Pinto de Moraes (São Paulo), Marlene Caminhoto (São Paulo), Ricardo Carranza (São Paulo), Sueli Maria Ferreira Canfora (Mogi das Cruzes), Wildon Lopes da Silva (São Paulo).   Fizeram parte da comissão organizadora: Betty Vidigal, Carmem Teresa Elias, Maria Mortatti e João Scortecci, onde utilizaram os seguintes critérios de avaliação: qualidade literária, domínio e inventividad...

Escrita irônica e polifacetada

  Ilustração: Polifaces de Rubens Shirassu Júnior Como escrevi em “ Humor na realidade mascarada ”, procedeu mal a imprensa quando insistia em apresentar Márcio Souza como um humorista apenas. Criou-se, assim, a imagem distorcida de um trabalho que pretendia ser polifacetado e que foge do gênero expressivo único. Talvez, seja por esse motivo que se tenha sentido certa frustração quando do lançamento de Operação Silêncio (1979). Nele, não há lugar para brincadeiras, embora haja para a ironia. Ainda que pareça exorcizante, Operação Silêncio trabalha em cima das relações entre o intelectual e o Poder, entre a teoria e a militância política, entre a Arte e o Estado, a partir de uma época conturbada como o final dos anos 60. Romance de estrutura complexa e muito distante da linearidade que marcava a produção anterior, esse livro desnorteia porque o cineasta Paulo Conti, um dos personagens centrais, ora está no centro de São Paulo, ora está em Paris, ou ainda no Peru. Ele se desdobra ...

Humor na realidade mascarada

  Os velhos tinham tentado falar com os civilizados uma vez, estavam desarmados e traziam crianças no colo. Os civilizados não quiseram ser amansados e apontaram suas espingardas e não deixaram um só velho com vida, apenas as crianças, que ficaram chorando e depois correram para a maloca onde contaram o que tinha acontecido. ( Mad Maria, Márcio Souza ) A perspectiva do índio face ao colonizador, o homem amazônico diante de sua história – esquecida ou mistificada pela cultura oficial – despontam fortes na obra de Márcio Souza . Com a força da sátira, do riso, até do deboche. Mas, também, com a força da pesquisa documental e histórica com base para desvendar o passado e compreender o presente. Passando ao largo das versões oficiais e procurando algumas versões desprezadas pelos manuais, Márcio compõe um quadro caricato e terrível da Amazônia, como parte integrante de um Brasil real, também caricato e terrível. A Amazônia e sua história, palco de dois de seus romances, é também l...