Anima e Animus
O
papel do Homem numa sociedade carente
de
verdades e apegada a valores, ritos, mitos,
hábitos,
costumes e tradições ilusórias
O poema Relatório do Mundo Lacrado mostra que a família brasileira prefere a
educação repressiva e a hipocrisia numa aparente segurança e falsa moralidade freando
as consequências da verdade nas mudanças de atitudes e quebra de paradigmas. A
relação visceral que se estabelece entre mãe e filhos, varia entre a loucura e
o desejo. O gene da célula máter medrosa quer manter a verdade ainda mascarada.
Trabalhar este poema com traços
surrealistas e psicológicos foi, antes de mais nada, um desafio à ordem
estabelecida, já que constitui uma verdadeira “viagem aos extremos do absurdo
da condição humana e da violência em todos os sentidos.”
O poema é um convite para participar
deste pesadelo repleto de imagens e referências. Um mundo cheio de educação
sentimental e repressão torturante. Assim, a um só tempo, exponho as relações
social e familiar, sempre questionando o papel do Homem numa sociedade carente
de verdades e apegada a valores, ritos, mitos, hábitos, costumes e tradições
ilusórias. Esse indivíduo que barganha ao cultivar a filantropia, pois teme o
castigo de um Deus impositivo, vingativo e cruel, como sua máscara e parâmetro.
A linguagem estabelece uma sincronia
entre o complexo de Édipo de Sigmund Freud e o estudo da Grande Mãe, de Carl
Jung, uma vez que dialoga com os conceitos de Anima e Animus, além de castração
na lenda da Medusa e Medéia, uma da mitologia e a outra da tragédia grega.
Sempre respaldados na descrição de um homem limitado e institucionalizado por
um sistema de vida que nada oferece de algo maior, que justifique e dê sentido
à sua própria existência.
Este é um relatório pontuado por
sentimento de amor e ódio, uma vez que se mostra aprisionado nos labirintos de
seu subconsciente e fruto de uma violência que deixou marcas em alto relevo na
sua infância. Ele está impregnado de ambiguidade e incertezas, de modo que cabe
ao leitor ultrapassar as paisagens e as aparências enganosas. Para compreender
este poema não basta apenas lê-lo e, sim, apreendê-lo ao olhar o mundo como
algo provisório e inacabado.
O Homem e seu caos interior, que
vive em desequilíbrio com a natureza e o poema, reflete o abismo, um buraco no
qual estamos condenados a cair por toda a vida. A educação, a sexualidade e a
repressão são questionadas como experiência e, ao mesmo tempo, reflexo
subjetivo e interior. Em razão do medo, esse Homem não é capaz de romper com
seus limites, seja com devassidão e desejo, uma vez que “a sexualidade humana está limitada por proibições e o erotismo é o
domínio das transgressões dessas proibições.” – afirma o escritor Georges
Bataille no livro “Minha Mãe.”
Relatório
do Mundo Lacrado
Medéia,
a grande mãe,
terrível
Medusa,
com
teus grandes braços
imperialistas,
árvore
de mil ramos, as relações
humanas,
imenso
polvo que sufoca,
as
folhas, os frutos do ventre caem
perdidos
na alta noite eterna,
catedral
da nova ordem
Meu
corpo no balanço do abismo
entre
prazer & morte
Eu
não tenho senão dois olhos
prudentes
vidrilhos
e sou um bastardo
nas
teias de aranha,
beco
dos canteiros doentes
Eu
quero romper com o minotauro
dos
minutos no botequim pinico,
nervuras
da lógica
que
corta o nosso circuito,
como
o relógio abrindo galerias
dentro
do crânio
Eu
penso nas placas de trânsito,
sinaleiro
rádio-patrulha
os
cães por trás das grades
na
escuridão, bordadeiras,
a
alma imortal dos gabinetes
a
poesia arcadas, lacinhos
luxo
protozoário kitch, clichê,
sucumbindo
no torniquete
da
consciência.
Os
luminosos dançam
nos
telhados de Metrópolis,
o
jardim das delícias,
sereias
de néon & mistérios,
estufas
de vapor Bolgia,
danados
de Dante Alighieri,
sonham
eternamente em saunas
casamento
do céu & inferno
fios
telefônicos cruzam as ondas
Meus
olhos vidrados cegam a minha mente
diluindo
como uma laranja
mecânica
de tudo
Avenida
dos Centauros, utopias,
Esfinges
de metal e concreto
matando
os sonhos
Allan
Ginsberg profetiza o caos,
Dionísio
e Eros aprisionados,
uma
floresta de cobras amarelas
nos
olhos
dos
escoteiros acendendo velas
em
volta do primeiro chacra.
Ezra
Pond recita numa estação
do
metrô.
Eu
sinto a fumaça de todas as chaminés
crescendo
pelos sete buracos da cabeça
cachos
de glória & ouro na
barriga
do Bode sobremesa
nesta
longa temporada
no
inferno dos corações gelatinas
bucólicas
e misantrópicas
Meu
silêncio ruminante de búfalo
Meu
amor meteoro kamikaze
de
gargalhadas & espelhos
domesticados
feito um navio ancorado
no
alto-mar do passado
porta-retrato
bolorado
até
a consumação.
Rubens Shirassu Júnior
( Cobra de Vidro,
poemas, edição independente, páginas 37, 38 e 39, São Paulo, 2012. Projeto
realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura
e Programa de Ação Cultural – ProAc 2012. )
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