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Quatro Reflexões





O Pensador do escultor Rodin









Manipulação



A música “dor de cotovelo”, o cinema americano e a televisão nos educaram mal. Não se sabe quantas cavernas no fígado se devem à ilusão que tomar um “porre” iria sensibilizar a bem-amada, como mostram as canções de Vicente Celestino, Herivelto Martins, pasteurizadas hoje numa espécie de bolero, pelas chamadas “duplas sertanejas”. Nos criamos com a perigosa desinformação de que basta uma cena violenta na cara da não-correspondida para deixá-la impressionada. Se funcionava com milhares de pretendidas, além de distraídas do cancioneiro popular, por que não seria verdade? Alguns exemplos do folclore ficaram ultrapassados. Nunca vi nenhuma mulher real “sem a menor vaidade”, como a da letra de Ataulfo Alves e Mário Lago, depois de um elogio, que não ajeitasse pelo menos os cabelos.


Dito e Feito



Nos anos 70, por exemplo, Nélson Rodrigues ouviu um treinador declarar que o futebol moderno iria dispensar o brilho individual das estrelas e se basear na força do conjunto (para se ver como é velha essa discussão), e escreveu: “Terá ele meios e modos de apagar as dessemelhanças individuais que fazem o charme dos homens, povos, religiões e times? Em caso afirmativo, será desejável esse nivelamento absoluto e tolo? No dia em que desaparecerem os pelés, garrinchas, as estrelas, enfim, será a morte do futebol brasileiro. E, além disso, no dia em que desaparecerem as dessemelhanças individuais – será a morte do próprio homem”.


Aldeia Global



Global Village é a palavra de ordem, não para os indivíduos isolados, mas para as novas associações comunitárias. Isso corresponde às mais recentes posições teóricas da globalização, uma nova expressão para um fenômeno antigo, a organização de empresas e economias em escalas planetárias. Esta adaptação da ideia de Marshall McLuhan é, sobretudo, financeira, animada por uma disponibilidade sem precedentes de dinheiro ocioso num mundo que cresce pouco, desemprega muito e convive, ainda, com formas cada vez mais sofisticadas de exclusão social e desigualdade tecnológica.


Mitos e Ritos



A gente pega a realidade, na qual se vive, e a transforma num mito, constrói um mundo, que os críticos literários chamam de “mundo paralelo” e eu decifro como “o próprio mundo da imaginação”. Quer dizer, é o mundo dentro da sua cabeça. Sempre o lado mitológico de minha cabeça. A face que procura um espaço, para não ficar muito atormentado com essa merda deste mundo. É muito chato, sabe? Pô, tenho que inventar estorinhas, pensar de outra maneira, porque não quero me meter mais nessa confusão toda, não. Nada leva a nada, é tudo besteira. E a saída? Onde está a saída? A saída é você. Digamos assim. E vivendo a sua vida individual. Porque é a única coisa que você tem. Se você não vive bem, não resolve seus problemas de indivíduo.






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