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Saindo da Zona Fantasma











Pelo medo do que não se conhece, o público
nunca pôde prestar atenção ao que a mídia não veicula









            Em tudo o que pretende ser arte há uma grande desproporcionalidade entre o que é bom e o que é ruim. Talento, o determinante dessa diferença, essencialmente implica e insere num plano de reconhecimento de cultura, um processo seletivo ligado à qualidade. Não que qualidade seja um dos componentes do processo que define quem faz sucesso ou não. Para mim: sucesso, no boom artístico do Brasil, significa manter um bom jogo de interesses e não apenas confirmar a exceção à regra: muito material sem conteúdo e pouca coisa aproveitável. O contexto Brasil/malícia/dor-de-corno/e vale- tudo é o que está impregnado nas ruas, e nós, que temos um trabalho com uma certa qualidade, somos diretamente afetados pela mediocridade generalizada, o way of life imposto pelos marketeiros de plantão. Pela aversão ao novo, pelo medo do que não se conhece, o público nunca pôde prestar atenção ao que a mídia não veicula, somos jogados numa zona fantasma.


Trocando Velhas Telhas


            São poucos os donos de bares e danceterias que oferecem espaço para iniciativas de música própria e happenings literários. Não dá dinheiro e não interessa à freguesia. Caso as investidas para tentar estabelecer um público efetivo não derem certo, deve-se pensar na possibilidade de um “sindicato livre”, onde empréstimos de equipamentos e ajuda mútua serão constantes. Uma espécie de confraria e cooperativa artístico-literária. Essa tentativa romântica, na tentativa de se criar uma independência musical e literária, reflete-se numa certa boa vontade, com a criação de bares abertos ao alternativo em Presidente Prudente, a exemplo de alguns bares de Curitiba, no Paraná, onde há shows com duas ou três bandas de sexta-feira a domingo.
            Os primeiros fãs vêm na esteira da dissipação da resistência que há contra os novos, bandas com propostas definidas e dispostas a construir as suas próprias escolas e influir “trocando velhas telhas” (reciclando conceitos e valores, quebrando paradigmas, um novo olhar radiante para encarar a vida!) nos indivíduos”, parafraseando Luís Galvão, do lendário Novos Baianos.


Profissionalismo e Iniciativas


            Os produtores culturais que criavam só por diversão começam a produzir com maior rigor técnico, estimulados pela possibilidade de terem seus trabalhos apreciados. Indícios sintomáticos de um incipiente profissionalismo surgem a partir daí: agora eles têm onde e como aparecer. A mídia finalmente, abre os olhos, deparando-se com essa nova movimentação. A uma rádio FM com um programa que inclui todos os estilos de Rock, do César Crepaldi, onde pede aos grupos que enviem os compact discs para a rádio, para tocá-los, ou convida alguma para o show de aniversário do programa no final de ano.
            Trabalhando no escuro, alguns artistas agitam Presidente Prudente e arredores, indo até em outros Estados! Dentro de um contexto tido como cultura bovina, fragmentária, que pouco investe na preservação da memória/identidade e sem estratégia, um bando de malacos lança, às próprias custas, seus cd´s ou livros, em busca de espaço e ganhar algum dinheiro. Lembra das Leis de incentivo e abatimento no imposto que amarelam nas gavetas do esquecimento?
            Apesar dos papagaios e macaquinhos (que consomem cultura estrangeira nas resenhas de revistas, internet, jornais e redes de televisão.) estragarem humores, alguns produtores culturais surpreendem pela qualidade e diversidade de gêneros. Com artistas de formação privilegiada, o movimento independente da cidade e região, toma ares de concreto e proporciona alguns lances no marasmo cotidiano. É claro que são poucos: uma questão de profissionalismo, talento, marketing cultural e bons contatos.





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