Uma metrópole de Tradição e ruptura
Escritores,
cronistas e poetas recriam países ou cidades abrindo períodos da história de
seu tempo, passando a representar a mudança que esse tempo exige. Diga-se que
da obra de Mário e Oswald de Andrade surgiu um novo Brasil. Criado ou reinventado
por eles? Nem as canções de Tom Zé e Rita Lee encontram a mais completa
tradução de São Paulo, talvez, na obra cult da poesia surrealista brasileira,
muito comentada e pouco divulgada e sem ser citada no meio acadêmico: Paranoia,
de Roberto Piva.
O livro “Sob a Garoa de São Paulo”, de Raymundo Farias de Oliveira,
homenageia então a cidade inventada em prosa e verso por Mário de Andrade e
possibilita a(o) leitor(a) várias recordações pelo antigo centro paulistano.
Por sua relação lírica e sentimental com a metrópole, ela não aparece como
cenário, mas como protagonista, o cronista Oliveira mostra uma cidade em
transformação contínua, que se refaz a cada instante. Questionamentos e
críticas em relação à capital em que aportou e viu transformar-se diante de
seus olhos estão lá. A cidade dita o ritmo da prosa poética, às vezes
comparando ao ritmo e à cadência aliados às imagens de “Ronda”, de Paulo
Vanzolini (Página 24) o cronista Oliveira complementa citando também a
composição “Sampa”, de Caetano Veloso. Essa longa crônica com altas doses de
poesia seria a marca de sua exaltação a São Paulo que tanto ama. Cita músicas
como “Perfil de São Paulo”, na voz de Sílvio Caldas, tinha São Paulo agasalhada
no seu coração boêmio, coberto de orvalho recolhido em serenatas memoráveis.”
(Página 14). “Saudosa Maloca”, “Samba do Arnesto” e “Trem das Onze”, de
Adoniran Barbosa e os Demônios da Garoa (Página 21). “Doce de Cidra”, de João
Pacífico (Página 25) na voz de Adauto Santos (Página 24).
À maneira, também, de João do Rio,
um dândi carioca, em seu “A Alma Encantadora das Ruas”, o cronista nos faz
andar pelas ruas de São Paulo, pelos meandros da memória, num relato que mescla
múltiplas imagens resgatadas nas minúcias de sua câmera cerebral. Oliveira
conta a história da cidade, dos personagens famosos e anônimos, ganham destaque
não apenas as atrações turísticas, os estilos musicais como o chorinho e o
samba-canção, os encantos e belezas, mas também os problemas e mazelas desta
que é uma das mais fascinantes capitais brasileiras. Várias impressões leves ao
caminhar pelas avenidas, praças e antigos pontos tradicionais da boemia, entre
os quais, os restaurantes, bares, boates e cantinas típicas da colônia italiana,
encontrados em bairros, a exemplo do Bixiga, Consolação e Vila Madalena,
redutos de jornalistas e artistas em geral até a década de 80. Nada passou despercebido
pelo olhar generoso do cronista caminhante.
Oliveira expressa o choque em sua
visão particular de São Paulo, seus contrastes de cores, parece representar a
dualidade de uma metrópole feita de cinza e ouro, de luz e bruma, de tradição e
ruptura, do velho e do novo. Tendo essa sensação conflituosa, o cronista não se
esquiva (a não ser nos momentos em que recorda uma outra cidade, a romântica
das primaveras eternas.) de buscar a alma de São Paulo através da bruma, da
garoa, do cinzento e do enevoado, esforçando-se em registrar a paisagem
bucólica perdida numa foto postal: os vendedores de flores, de milho verde nas
calçadas (“Vi o velho realejo,/ o periquitinho sonolento/ na sua prisão
semiaberta,/ guardada pelo homem de boné.” Página 21.)
Descrevo o texto como um canto de amor
a São Paulo, como um mergulho de corpo e alma na cidade que o acolheu na sua
juventude, lugar onde se fez homem. Por outro lado, ao terminar de ler o livro,
emerge a ideia de ampliar o raio de proteção e de valorização dos bens
simbólicos de nosso povo, para que a consciência de preservação e memória se enraíze
na sociedade brasileira.
SOB A GAROA DE SÃO PAULO
Raymundo
Farias de Oliveira
Poesia
Literatura
Brasileira
64
Páginas
1ª
Edição
RG
Editores
São
Paulo – 2010
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