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O Livro de Cada Homem




Livros e Canetas de Marcos Santos











Só acredito no conhecimento que passa pelos intestinos,
pelo coração, pelas entranhas, por todas as vísceras









            Eu estou lendo o livro. Quando terminar de ler o livro, serei moralmente bonito. Qual livro? Esse que está escrito nas ruas e que a gente tem de decifrar. Um livro que qualquer pessoa pode ler, mesmo os analfabetos, aliás, muitos já leram esse livro. É o livro. O livro de quando a gente nasce começa a ler, sem saber que está lendo; e num determinado ponto da vida percebemos que há um livro escrito por trás da gente, com páginas à frente também, exemplo, você chega aos 50 anos de leitura e não sabe que está lendo um livro, pombas! Então você tem de aprender a ler os 50 anos que se passaram, para poder ler, conscientemente, os anos que se seguirão. Aí, você vira um clarividente. Ouça, não estou falando nada de parapsicologia, espiritismo e mistério, nada disso, isto é um processo puramente psicológico e absolutamente simples.
            Jesus Cristo leu o livro. O Millôr Fernandes, ou o Luís Fernando Veríssimo leram o livro e interpretaram de uma maneira absolutamente pessoal. Portanto, o livro tem várias versões. Agora, comigo ocorre não saber ainda transformar o livro em gestos. Tem gente por aí que sabe. Tenho uma porção de exemplos de gente que sabe, mas não adianta contar porque seria tão banal que os leitores não iriam entender. Os depoimentos são absurdos que as cabeças deles funcionam completamente diferentes das outras. Sendo assim, certas coisas que comprovam a leitura do livro, eu não posso contar, porque impresso não quer dizer nada.
            Mesmo que fique só meditando, o que penso, escrevo, faço é meio sonambúlico, sabe? Outra parte de minha formação, que é surrealista: eu acredito muito no trabalho do inconsciente. É o tal negócio do livro. Mais uma página. Mas, estou ainda na letra “A”. Que maravilha! Só que, um dia, a gente chega no “Z”! Só que a gente não sabe se o livro começa em “A” e termina em “Z”, ou o contrário, ou se é fragmentado. Talvez, quem sabe, estou no meio do livro, já que sei aquilo que não é mas parece ser, não é? E, aos que interessar possa, digo: Só acredito no conhecimento que passa pelos intestinos, pelo coração, pelas entranhas, por todas as vísceras. Não acredito em outro conhecimento que não venha do próprio corpo que pensa. Você pode ter muitas ideias na sua cabeça, mas enquanto elas não circularem pelo organismo, não serão suas. Serão falsas. E 80 por cento dos intelectuais que eu conheço vivem de ideias que eles não viveram. Não metabolizaram.
            A gente pega a realidade, na qual se vive, e a transforma num mito, constrói um mundo, que os críticos literários chamam de “mundo paralelo” e eu decifro como “o próprio mundo da imaginação”. Quer dizer, é o mundo dentro da sua cabeça. Sempre o lado moleque de minha cabeça. A face que procura um espaço, para não ficar muito atormentado com essa merda deste mundo. É muito chato, sabe? Pô, tenho que inventar historinhas, pensar de outra maneira, porque não quero me meter mais nessa confusão toda, não. Nada leva a nada, é tudo besteira. E a saída? Onde está a saída? Como diz um velho amigo, do tipo filósofo de botequim: a saída é você. Digamos assim. E vivendo a sua vida individual. Porque é a única coisa que você tem. Se você não vive bem, não resolve seus problemas de indivíduo.



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