Havia uma resignada esperança
de que alguém entendesse o
apelo
Pablo Picasso sempre procurava
desenhar como uma criança. Pelo traço simples e descontraído, com cores vivas e
intensas de vida, alegria e sinceridade nas imagens que traduzem a pureza de
uma criança!
Olho o desenho de Amanda, de 7 anos,
enviado pelo advogado Henrique Chagas, uma sensação de falta de liberdade, ou
medo pulsa no coração, pelas duas asas amarelas nascendo de uma flor dentro da
sala. Tive a impressão que as grandes asas, vindas de Massachusetts, nos
Estados Unidos, pedem um horizonte aberto de harmonia na natureza.
Ao fundo, uma paisagem branca e
fria. Dentro do quarto, no silêncio parecia haver um vago eco de sua voz
misturado ao branco da página discreta que sente a falta do perfume das flores,
de campos silvestres e da água cristalina do nosso Brasil. De longe batiam as
asas da borboleta no cenário frio de Massachusetts, como um aviso. Ela queria
sentir o calor da sua terra natal, o Brasil. Anda em círculos pelas areias
brancas.
E Amanda, borboleta-flor, abre as
asas esperando que a sua mensagem seja vista e acolhida pelos povos. Fiquei
vendo o desenho na luz do amanhecer, muito vivo.
A noite disfarça as cicatrizes e o
medo dos adultos, ofuscados pelas luzes de néon e do barulho. Nosso deserto era
toda a população mesquinha e frívola da cidade imensa, que transitava lá fora,
nos veículos dos quais nos chegava apenas um ruído distante de motores, a
sinfonia abafada das buzinas, às vezes, o ruído de um carro estacionando em
frente de casa.
Ergui-me até a janela, havia nuvens
cinzas e tímidas, espalhadas em várias direções. Aos poucos, foi se acendendo
um carmesim, e sob ele o mar de concreto se fez quase verde. Ela vaga no branco
concreto, alheia à paisagem que se confunde com os arranha-céus, com o desejo
de retornar, para saborear o tempero que chega no vento, dançando um samba no
ar. Um desenho de alerta e tristeza, onde, entretanto, ainda havia uma
resignada esperança de que alguém entendesse o apelo de Amanda (do grego, que
significa “aquela que quer ser amada”.): de que não ficássemos em nosso
canteiro, no branco vazio, como a agonizante borboleta-flor amarela prisioneira
para sempre.
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