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Olhar Voltado para o Passado










Drama do homem na busca de sua identidade

  






  
            O jornalismo trabalha com o presente. Sua matéria-prima é o que acaba de acontecer, o novo, a notícia. Mas, pode haver também um jornalismo do passado. Esse jornalismo é tão mais possível de existir quanto mais desconhecido for o passado de um país ou cidade. No Brasil, onde a curiosidade histórica, ao menos nos últimos anos, foi fortemente direcionada para o século atual, o passado mais remoto é um terreno quase incógnito. Só que o Brasil, como disse o jornalista Ivan Lessa, a cada dez anos esquecia o que aconteceu nos dez anos anteriores. A cada século o País parece esquecer o que aconteceu nos anteriores.
            Nesse sentido, no Brasil e em Presidente Prudente há campo para um jornalismo de caráter histórico. Foi o que fiz com o tema sobre o processo de formação econômica e cultural, e a falta de tradição em investir nos projetos culturais, influências do pequeno comércio, do extrativismo agrícola e a pecuária. Um assunto só comentado e lido por especialistas. Depois de refletir, e de entrevistar geólogos, sociólogos e artistas, insisto nesta empreitada. Como sobre a escravidão descoberta pelos historiadores em documentos antigos, resumida e analisada no artigo O Medo de Ontem e o de Hoje, cumpriu-se outra função do jornalismo: a de facilitar a vida do leitor.
           Mas, por que dedicar um comentário a esse assunto histórico específico, a escravidão? E, qual a sua relação com o clima de medo e insegurança que predomina no momento? Porque ele é de uma óbvia atualidade, dada a nauseante situação social do Brasil. Não porque o passado condicione mecanicamente o presente. Nem um passado traumático, como o escravista, deve ser encarado como fator determinante da miséria do presente. Mas, ocorre que o Brasil foi o maior país escravista das Américas, o que mais importou africanos, em três séculos e meio, e o último a abolir a escravidão – e é, hoje, um dos países de maior desequilíbrio social do mundo. Talvez haja relação entre os dois fenômenos.
           Não quero enganar ninguém e nem tenho pretensões a cargos políticos. Tento encontrar de modo sensato, reflexivo e pragmático, soluções que despertem a consciência entre autoridades e meio empresarial, local e regional, quanto à preservação do patrimônio histórico e cultural de Presidente Prudente e região no mais crítico painel do drama do homem na busca de sua identidade. Para tanto, pelas dolorosas e incômodas reflexões construtivas, sou alvo de críticas sem fundamento desde 1981, entre outros rótulos de pessimista, chato e radical. Mas, nem me preocupo com as críticas infundadas junto ao otimismo deslumbrado e aparente de meus opositores.
            Você só percebe a situação sobre a importância da tradição cultural quando, em viagem de turismo ou em visita, perguntam-lhe qual o melhor instrumentista, letrista ou escritor da cidade. Uma pergunta corriqueira em qualquer evento cultural no eixo Piracicaba, Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.
           Os comentários se dirigem às pessoas interessadas, dinâmicas, conscientes e preparadas. Frequentemente, interrompo a narração, dirigindo-me a quem estuda e pensa. Escrevi isso com um sentido de responsabilidade que prezo muito. Nem todo mundo nasceu para tocar violino, mas se você vai desenvolver uma atividade, tem que realizá-la muito bem, tem que levar a sério. Isso não se improvisa. Com aquilo que eu escrevo gostaria de poder contribuir, mesmo com uma pequena parcela, para modificar uma situação que me preocupa: Formar um perfil de referência histórico-cultural. Aqui, em Presidente Prudente, no nosso País perdeu-se muito a esperança, a expectativa, o interesse, a confiança de alterar os processos históricos, de liderá-los.





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