O Jeca Tatu de Monteiro Lobato
Quanto
mais incorporasse influências externas,
mais
se tornaria pop e atraente
A
aparência atual do gênero está mais para caubói hollywoodiano, o som sai de
guitarras, teclados e apresenta batidas eletrônicas, as letras são melosas, românticas
e medíocres. Mas, na origem de toda música sertaneja estão as duplas de música
caipira do início do século. Percebe-se que houve um processo de canibalização
das tradições pelo mercado da cultura de massa. Como a indústria cultural
absorve a música caipira para transformá-la em sertaneja? É um processo que se
iniciou em 1929, no século 20, quando a música caipira foi gravada pela
primeira vez. Cornélio Pires pegou então a música folclórica cantada por duplas
no interior e a formatou nos moldes da indústria cultural, limitando o tempo de
gravação.
Ao
perceber que se tratava de um estilo comercialmente atraente, as gravadoras da
época passaram a investir na música caipira, mantendo as bases de música
folclórica adaptada. Mas essa adaptação ainda não distorcia o estilo? Não, a
distorção inicia-se no final da década de 40, com a incorporação de estilos
como o rasqueado, do Paraguai. A partir daí, a música caipira passou a
incorporar uma série de influências de gêneros latinos, e em seguida, nos anos
60, do Rock, especialmente da presença da guitarra, que faria a grande
transformação no final dos anos 70 rumo ao sertanejo.
A partir do momento em que a
indústria cultural começou a perceber que se tratava de um estilo vendável e
que, quanto mais incorporasse influências externas, mais se tornaria pop e
atraente, esse processo de distorção se acelerou. O processo deu-se naturalmente, vindo dos próprios artistas,
ou foi algo imposto pelo mercado? No início foi natural, mas a partir da década
de 80 ficou bem clara a intenção de ser vendável. A indústria fonográfica, as
rádios, percebendo que a introdução especialmente de guitarras e teclados
tornavam o estilo muito popular, passaram então a explorá-lo.
Isso coincide historicamente com a
ascensão da classe média, que se tornaria consumidora do estilo já
completamente transformado. A dupla que fez essa transição de forma mais
marcante foi Chitãozinho e Xororó, que inaugurou a virada para o sertanejo. O
que fica da origem caipira nesse estilo transformado? Praticamente apenas o
canto em duas vozes. A indústria cultural transformou o discurso, o ritmo e
tudo o mais, criando um estilo romântico, cantando num formato de duas vozes,
assim como o caipira. E a mudança para um público mais urbano, como se dá? Desde
o surgimento, a música caipira é a representativa de uma diáspora do campo rumo
à cidade, à periferia. A partir dos anos 80, ela assume um público classe média
completamente urbanizado. Essa modernização se contrapõe à ideia do Jeca Tatu,
aquele que não se adapta ao progresso. O Jeca original, o caipira, assume um
discurso até hoje em busca da simplicidade na vida, mesmo sem o atraso
pejorativo que se atribui a ele. A música sertaneja, por outro lado, tenta
contradizer esse Jeca dizendo que ele evoluiu: hoje anda de picape, participa
de rodeio, usa chapéu de caubói... Qual o lugar social do caipira hoje?
Até hoje ainda há muitas pessoas
envolvidas com o que a indústria chama de música de raiz – termo do qual
discordo, uma vez que, como diz Antonio Candido, o caipira é transitório, sem
ter terra, sempre fronteiriço, híbrido, entre o urbano e o rural. As pessoas
que optam pelo caipira hoje buscam manter a tradição, o discurso original, da
simplicidade voluntária. Criticam a opção declaradamente comercial do
sertanejo. A defesa da tradição é também nacionalista, em oposição ao
“americanismo” do sertanejo? Sem dúvida. Eles defendem a própria cultura
reclamando da incorporação do que vem de fora. O sertanejo se diluiu tanto
nessas influências que muitos artistas acabaram por voltar a essas origens, a
fim de resgatar suas referências, por mais que voltem a desfocá-las logo em
seguida.
O músico sertanejo, então, não
rejeita o caipira como o caipira o rejeita? É uma relação de respeito e ancestralidade.
E o caipira permite a evolução do seu estilo ou fica preso à pureza de origem?
Permite, sim, de forma bem mais lenta, mantendo o discurso original e sem
desvirtuar essa origem.
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