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Signo da Sociedade









O individualismo levado ao extremo







Aos pés da letra
maior dor quem sabe
chegando ao extremo
é o Marquês de Sade,
do prazer pleno.







            Ninguém melhor do que Guy Endore conseguiu sintetizar quem foi o Marquês de Sade: na biografia romanceada que ele escreveu sobre o autor de “120 Dias de Sodoma”, este é definido como “santo diabólico”. A razão é simples: Sade mergulhou cheio na impossibilidade (que afeta todos nós, só que somos hipócritas para admitir) que é separar a influência diabólica da divina. É o que podemos chamar de influência divina tudo aquilo que tende para a superação do tempo, e de influência diabólica tudo aquilo que tende para a preservação do mundo no tempo. Nossa consciência é o palco onde essas influências se revezam e se confundem. Sade, deixando-se invadir por elas, não só fotografou seu tempo em todas as suas misérias morais, como transcendeu-o ao fazer delas a base de uma literatura visceralmente inconformista.
            Donatien-Alphonse-François, o Marquês de Sade, só começou a ser seriamente encarado como um dos mais importantes nomes da literatura francesa no começo do século 20. Quem o descobriu foram, por acaso, os surrealistas. Em 1909, Apollinare escreveu a seu respeito um comovente ensaio biográfico. Pierre Klossowski e Jacques Lacan também se debruçaram sobre a vida e a obra invulgares de Sade para falar da experiência trágica do amor.
            Sade deixou uma obra extensa: uma dúzia de romances, cerca de sessenta contos, vinte peças de teatro e um número não conhecido de ensaios diversos. Antecipando-se um século a Freud e a Kraft-Ebing, vê no sexo praticado com perversidade a mais autêntica, porque amoral, manifestação do inconsciente. Decodificá-la é desafio que assusta, mas Sade não se intimidou: abriu sua caixa de Pandora e foi um espectador atento e implacável dos próprios fantasmas.
           De longe o filme “Contos Proibidos do Marquês de Sade (Quills)”, direção de Philipe Kaufman, diferencia por não alcançar a profundidade dos textos de Sade: A Filosofia na Alcova, Justine, Discursos Ímpios, alguns voos altos desse implacável fuçador de almas, desse homem que conheceu a tenebrosa solidão das prisões, todas as delícias e todos os encantos efêmeros da luxúria, e que se deixou tragar, sem peias, pelo redemoinho de experiências culminantes. Internado na companhia de loucos do asilo de Charenton (onde morreria), Sade trava a última batalha pela pacificação da carne, e envolvido pela noite sem limites da insanidade, monta peças de teatro, talvez para demonstrar que o maçante enredo da normalidade só pode ser pulverizado pela boda mágica entre a ficção e a loucura. De Sade – o individualismo levado ao extremo, a mais violenta convulsão, historicamente necessária, época da Revolução Francesa, porém, marcada pelo irracional, pela insanidade humana, que uma sociedade ocidental conhecera e ainda vive com ela.








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Rubens Shirassu Júnior
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