Jardim Zen
O
homem não é unicamente escravo
do tempo e
da morte, mas que,
dentro de si, leva outro tempo
Para Matsuó Bashô, “o hai-kai não era apenas poesia em sua
forma mais pura, mas acima de tudo um exercício espiritual. E na senda
espiritual não pode haver limites impostos pela razão humana.” Esta típica poesia japonesa chama-nos para
uma aventura verdadeiramente importante: a de nos perdermos no cotidiano para
encontrar o maravilhoso. Viagem imóvel, ao término da qual nos encontramos
conosco mesmos: o maravilhoso é nossa verdade humana.
O
haicai abre as portas de satori ou iluminação: sentido e falta de sentido, vida
e morte coexistem. Não é tanto a anulação dos contrários nem sua fusão como uma
suspensão do ânimo. Instante da exclamação ou do sorriso: a poesia já não se
distingue da vida, a realidade reabsorve a significação. A vida não é nem longa
nem curta, mas é como o relâmpago, um fenômeno natural. Esse relâmpago não nos
avisa de nossa mortalidade; sua intensidade de luz, semelhante à intensidade
verbal do poema, diz que o homem não é unicamente escravo do tempo e da morte,
mas que, dentro de si, leva outro tempo. E a visão instantânea desse outro
tempo chama-se poesia - crítica da linguagem e da realidade, crítica do tempo.
A subversão do sentido produz uma reversão do tempo: o instante do hai-kai
é incomensurável.
Múltiplas são as definições, assim
pode até ser uma anotação poética e sincera de um instante fotografado no
cotidiano, mas representar ainda uma manifestação fortemente influenciada pelas
filosofias do taoismo e do zen-budismo impressas nas folhas de papel. Tais
imagens não só passam um significado, mas também nos conduzem a uma época, a um
lugar, a um meio social ou cultural. Os haicais devem a sua expressividade e o
seu efeito emotivo às associações que fazem despertar. Na opinião de Octavio Paz: “a linguagem tende a dar sentido a tudo o
que vemos e uma das missões do poeta é fazer a crítica do sentido. E fazê-la
com as palavras, instrumentos e veículos do sentido.”
Ao
longo deste caminho
Não
há viajantes...
Noite
de outono.
Sob
o mesmo teto
Dormiram
as cortesãs –
A
lespedeza e a lua.
Velho
tanque
Um
sapo salta:
Barulho
de água.
Matsuó Bashô
a
nau imigrante
chegando:
vê-se lá do alto
a
cascata seca.
Shuhei Uetsuka
(
1876 - 1935 )
Sobre
o sino do templo
Repousa
e dorme
A
borboleta noturna.
Esta
estrada
Sem
ninguém nela.
Escuridão
de outono.
Buson
Se
tudo foi feito e dito
se
nada fito, leio o escrito.
Então,
digo que corro o risco.
Rubens Shirassu Júnior
A palavra Zen vem do chinês Ch´an e significa meditação, o caminho
para quebrar todas as ideias aprendidas do mundo como ele é visto para o que
ele é, ou seja, a mente livre de apegos ou julgamentos:
“Este estado é atingido
através de rigorosos esforços mentais e o caminho é pavimentado pela conquista
do mushin (literalmente, não
coração), onde se é liberto dos apegos mundanos. Quando um discípulo é bem-sucedido
em acalmar seus pensamentos e emoções, ele está pronto para perceber o mundo
sem qualquer noção preconcebida. Isso é o pré-requisito para o estado de iluminação
conhecido como satori – a meta
a qual todo budista aspira. (Juniper, 2003, p.22, Hai-Kais, Kubota, M. p.47)”.
Para Haroldo de Campos, o haicai é
uma “objetiva portátil”, que pode reconduzir à visão do “mundo radiante”, da
qual o homem moderno se distanciou. Citando McLuhan, explica que essa
combinação, no ideograma, no haicai e no Nô é amalgamada por meio do intervalo
e não da conexão entre as partes (p.81). O espectador passa a ter a função
decisiva de preencher os vazios.
Outros pesquisadores falam da forma
total das duas artes: no haicai, leem-se as palavras, o arranjo e a forma dos
caracteres, a caligrafia e até os espaços em branco. No teatro Nô, lê-se o
enredo, o modo de atuar, o canto e o ritmo. Para Campos, o haicai, ou a
montagem ideogrâmica, teria inspirado as invenções da poesia moderna, como a
palavra-valise de Lewis Carrol e os inventos de James Joyce, como por exemplo, silvamoonlake, no qual se fundem as ideias de
bosque (latim, silva) + lua + lago, além da nuance sonora silver (prateada).
*Kamikaze ( kami
significa "deus" e kaze,
"vento" )
**Lespedeza ( Lespedeza thumbergü ), planta originária da China resistente ao frio e climas temperados.
Referências
Bibliográficas
CAMPOS, Haroldo. A Arte no Horizonte do Provável. São
Paulo, Editora Perspectiva, 1977.
______.
Ideograma – Lógica Poesia Linguagem.
São Paulo: Edusp, 1994.
______. Hagoromo de Zeami – O charme sutil. São Paulo: Estação Liberdade, 1993.
JUNIPER, Andrew. Wabi Sabi. The Japanese art of impermanence,
Boston: Tuttle Publishin, 2003.
KUBOTA, Marília Aiko. Hai-kais, As
Narrativas “Japonesas” de Valêncio Xavier: O Mistério da Prostituta Japonesa
& Mimi-Nashi-Oichi, “Matsuó Bashô”, página 30, ”Zen-Budismo”, página 32, Universidade
Federal do Paraná (UFP), 105 páginas, Curitiba, Paraná, 2012.
KUBOTA, Marília. Teatro Nô. In
OLIVEIRA, Nelson. Blablablogue – crônicas
e confissões. São Paulo,
Terracota Editora, 2009.
McLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg. São Paulo:
Editora Nacional, 1977.
_______.
et al (Harley Parker). O espaço na
poesia e na pintura através do ponto de fuga. São Paulo: Hemus, 1977.
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