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Pedras nos andaimes do plano








Carreiras sindicais, políticas e o prazer do poder aparente costumam ser prioritários








Desde o início da década constatei que se fizeram mais poetas e escritores do que leitores. Vivemos um momento de vazio, de relacionamentos líquidos efêmeros, de pura empolgação envolta pela fogueira do sucesso rápido, a qualquer custo, badalação e narcisismo. Sinto que os jovens que ingressam na literatura estão afobados, ansiosos e criam expectativas. Como na passagem do mundo adolescente para o adulto. Certa vez, escrevi: “Eles querem respostas não só literárias, mas respostas para as suas vidas.”
Com relação aos escritores, acredito que há uma mudança qualitativa. São pessoas que entraram há pouco tempo no contexto literário de formação variada e uma parcela de aposentados, mas que não têm intimidade com a literatura, familiaridade com as palavras, o ritmo, a fluência e sem bagagem. Estão atendendo a um chamado interior, uma vontade de escrever. Percebe-se que são habituados a usar as redes sociais e os dispositivos móveis, mas não possuem conhecimento de marketing cultural, de acompanhamento junto à estatística detalhada sobre a reciprocidade do público leitor/consumidor e à elaboração de um plano estratégico, seja por um agente cultural ou uma agência de propaganda especializada na área. Noventa e nove por cento expressa um lirismo aguado imposto por um pequeno grupo de autores, o que reprime e limita o surgimento de escritores de estilo inovador, criativo, ousado e moderno. Vaidosamente, querem escrever e serem lidos, comentados, num gesto bem egoístico. Pelo contrário, 99% dos autores deste município querem a fama e a glória imediatas. Carece de uma dose cavalar de ideologia, de postura e de atrevimento para promover ações que visem despertar a atenção dos representantes do povo, dos empresários e da população em geral. Assisto a alguns encontros um tanto contidos, tímidos, mornos e letárgicos que trazem à tona o clima oprimido da década de 1970. Compreendo, pois através da condição, o escritor se depara com o karma do isolamento. Se for pintor, dupla de sertanejo romântico, rapper, grupo de street dance e banda de rock saem no jornal e na internet, têm vida pública e solicitação.
Em parte é isso mesmo. Essa geração não chegará antes de fazer o trabalho miúdo. Aquele por etapa: de início, ser leitor voraz da literatura básica brasileira e internacional, adquirir o hábito de escrever compulsivamente, investir em oficinas literárias de escritores tarimbados, tanto na cidade e, principalmente, de São Paulo, por sua tradição, para desenvolverem o senso crítico, a disciplina, a concentração, a determinação e a paciência. Porque o escritor, igual ao advogado, é um profissional de carreira, que deve primar pelo estudo e pesquisa constante, além do fator sorte. Em parte, não podemos culpá-los julgando-os severamente, em razão da falta de sustentação de referências, um dos fatores negativos que contribuem pela falta de identidade, no caso, de Timochenco Wehbi, a maior expressão cultural da dramaturgia de Presidente Prudente, por carecer de cultuar a mitologia da memória, onde prevalece a do esquecimento, onde a ignorância dos gestores e da classe empresarial que vêem a cultura como mero passatempo ou puro entretenimento, pois desconhecem que a mesma traz a conscientização aprimorando o pensamento e a expressão. Além de motivar a busca do conhecimento constante, indagando sobre o significado do mundo e da existência humana, olhando a vida numa perspectiva esperançosa mais positiva, uma filosofia holística, procurando um sentido, um equilíbrio na vida em sociedade. Tudo indica que a inveja, a pobreza de espírito e os interesses escusos da politicagem abortaram o projeto Corre Bairro, de Hilton Nogueira, ator, secretário da cultura, mais conhecido como Tinho, e do geógrafo e jornalista Milton Saito, seu assessor, ambos do governo Virgílio Tiezzi Júnior, na década de 1980. Esse belo trabalho sócio-educativo-cultural estimulou diversas crianças das zonas norte, sul, leste e oeste da cidade, a apreciar a leitura, a música, as artes plásticas, as artes cênicas, a dança, entre outras coisas, além de não ficarem expostas aos perigos na rua e dos patrões oportunistas e escravocratas das bocas.  
Conforme os requisitos do Plano Municipal de Cultura (PMC), parte integrante do Plano Nacional de Cultura (PNC), como representante da Câmara Setorial de Literatura, durante 10 meses, conversei com escritores sobre as sugestões e, somente uma educadora e pedagoga aposentada enviou, via e-mail, suas ideias que, por sinal, foram muito úteis e acolhidas.
Outros pontos observados durante a elaboração do PMC, a maioria dos representantes das Câmaras abandonaram o projeto sem justificar o motivo do afastamento e, nem entregaram os respectivos textos das categorias que representavam. E para minha perplexidade, grande parte destes integram o Conselho Municipal de Cultura de Presidente Prudente. A lista de presença apresentada nas reuniões até novembro de 2016, comprova as informações citadas, pois estavam presentes três funcionários da Difusão Cultural, da Secretaria da Cultura (Secult), inclusive um deles cuidava da lista, acompanhava a produção e correção gramatical e ortográfica da redação anotando as dúvidas, as dificuldades por carência de subsídios - entre nomes de figuras públicas e históricas, datas e números de leis e decretos, entre outras coisas. - para o aprimoramento das argumentações, o que acarretou uma certa morosidade, além de dificultar a finalização do Plano Municipal de Cultura (PMC). Como comentei no artigo anterior.
Ficou também explícito o orgulho da classe artística que, nem consegue redigir uma breve apresentação biográfica, um relatório, como criar um projeto que venda a ação cultural ou produto artístico.  Eis o motivo de lamentarem de seus trabalhos não serem selecionados pelas comissões julgadoras do programa de ação cultural estadual, sem esquecer dos prêmios nacionais. O mesmo constatei nos profissionais liberais e nos artistas que integram o conselho municipal. Com algumas exceções. Eles, em sua maioria, nem se quer leram e refletiram sobre os excelentes planos de Santo André e São José do Rio Preto. Além do que, desde o começo da década, os artistas, competentes e comprometidos com a causa, fazem a avaliação continuada e, no decorrer do tempo, realizaram os ajustes necessários no projeto cultural.
Enquanto a maioria dos representantes dos conselhos e da classe artística não se interessar por conhecer políticas públicas, leis específicas, de adquirir noções básicas de marketing, de assessoria de imprensa para produção de releases, de folder, de portfólio, entre outros complementos gráficos e visuais, e do papel fundamental do agente cultural, como ponte de negociação, torna-se difícil dialogar, exaustivo, estressante e dispendioso produzir um projeto importante e de valorização do produto cultura local, como o Plano Municipal de Cultura de Presidente Prudente (PMCPP), parte do Plano Nacional de Cultura (PNC), do Governo Federal, do qual participei. Simbolicamente, seis pedreiros, em cima dos andaimes, ergueram os pilares para sustentar as paredes argumentadas e consistentes, que incluíram o perfil, as diretrizes, metas e objetivos que integram o plano, seguindo as orientações do Ministério da Cultura (MinC). Apesar da obra ter sido abandonada no meio do caminho pelos colegas de profissão. Não seria de bom senso e justo, os colegas pedreiros faltosos quererem agora, ser engenheiros e arquitetos virtuais.
Daí, porque soam provinciano e desagradável ocultar a irresponsabilidade dos representantes das câmaras setoriais. É um típico exemplo de peças de um jogo factóide, de ostentar um certo poder fictício e imaginário, tutelado por grupos partidários, um retrato branco e preto realista da incapacidade, da mediocridade intelectual e do medo de perder o cargo mal disfarçado e aparente. É mais uma comprovação de que Presidente Prudente como o Brasil, está cheia de aspas: “cultura das massas”, “pervertidos”, “anárquicos”, “transgressores”, etc.
Infelizmente, carreiras sindicais, políticas e o prazer do poder aparente costumam ser prioritários e, portanto, mais importantes do que os riscos que livres pensadores, pesquisadores conscientes por não participarem de igrejinhas (popularmente panelinhas presentes em todas as áreas) por questionarem e por cobrarem deveriam correr para cumprir seu papel de referência intelectual, com fatos novos e interpretações mais críticas.








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