O
que é alienar? Alienar significa tirar, alhear. Um fenômeno sociológico ou
psicológico pelo qual alguém invade que é próprio de uma pessoa e rouba o que
de direito a ela pertence. As personagens de Bernardo Élis apresentam um ou vários
tipos de alienação. Fixemos na personagem Supriano, do conto “A Enxada”. Devido
à alienação, ela perdeu sua própria identidade, transformando-se no próprio
instrumento de trabalho.
Vejamos
como. Economicamente, Supriano mostra-se um explorado. Trabalha mas não recebe
a riqueza que produziu. Do ponto de vista político, não possui nenhuma
consciência – tiram-lhe também o direito de participação. Os organismos sociais
que deveriam defender os seus direitos individuais são-lhe igualmente alheios:
colocam-se contra as pessoas de sua classe social. E a ideologia? Ela o mantém
passivamente preso à terra. Impede-lhe qualquer reação. É falsa por não lhe
permitir, no plano simbólico do conto, a abertura da porteira da propriedade. A
porteira é a porta de sua prisão social; para além dela está seu carcereiro, o
fazendeiro Elpídio Chaveiro.
O
fazendeiro pressiona Supriano a fazer de qualquer modo o plantio, e por não
dispor de instrumentos de trabalho, o pobre e trágico Supriano, no desespero,
acaba usando as próprias mãos como enxada. A cena que mostra Supriano com as
mãos dilaceradas ilustra um dos recursos utilizados pelo autor: situações
chocantes, quase inverossímeis, para levar o leitor à consciência de uma
realidade.
“E Supriano mostrava o mesmo bagaço de
madeira esfiapado em fibras brancas do cerne e verdes da casca, exibia as duas
mãos que eram duas bolas de lama, de cujas rachaduras um sangue grosso corria e
pingava, de mistura com pelancas penduradas, tacos de unhas, pedaços de nervos
e ossos, que o diabo do fogo não deixava divulgar nada certo, clareando e
apagando no braseiro que palpitava e tremia.”
(Fragmento
do conto “A Enxada”)
Qual
a realidade? A do alheamento, da submissão, da impotência de seres humanos ante
situações que os massacram e tornam instrumentos nas mãos dos poderosos. Essa
realidade é reconstruída em tristes personagens do campo de Goiás – tristes mas
belos na pureza, na simplicidade, que conquistam o leitor, e o fazem pensar em
soluções.
Mais
que simples histórias, a obra de Bernardo Élis torna-se capaz de evidenciar a
constituição psicológica dos personagens e o contexto histórico-social em que
vivem. Transcende, com isso, o regionalismo e ganha caráter universal, no
eterno embate do homem com a opressão física e moral.
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