“ – Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbados, não é?
Foi aí que um dos bêbados pediu:
- Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual
de nós quatro é o seu marido que os outros querem ir para casa.”
( Fragmento da crônica
“Levantadores de Copo” )
Dizer
que Stanislaw Ponte Preta (alter ego de Sérgio Porto) foi um cronista popular,
à primeira vista, um contra-senso: todo cronista é popular, pois a crônica um
gênero que nasceu e cresceu nas redações dos jornais. Mas, dentro dessa
generalidade, é possível perceber certos matizes entre nossos escritores de
jornal. Stanislaw Ponte Preta na maior parte de suas produções, não parecia ter
como imagem de leitor aquela pessoa que procura pressurosamente a coluna do
cronista do dia, ou, melhor ainda, que chega a entrar numa livraria à procura
de um livro de crônicas. Longe disso. Ele parece escrever para aquele leitor
que compra o jornal fundamentalmente por causa do noticiário político, do
futebol, das ofertas de emprego, das palavras cruzadas etc. Enfim, aquele
leitor que lê a crônica casualmente, muitas vezes de forma desatenta e
apressada. E essa hipótese, de um cronista voltado sobretudo para o grande
público consumidor de jornais, surge quando analisamos mais de perto as
crônicas do autor: seus procedimentos são verdadeiros “ganchos” capazes de
sensibilizar o mais distraído ou desinteressado leitor de crônicas.
Embora
o tom de conversa, muitas vezes de conversa fiada, seja uma característica
obrigatória da crônica. Stanislaw Ponte Preta dá uma grande ênfase ao contato
narrador-leitor, criando um espaço de familiaridade. O leitor, embora não se
manifeste diretamente na crônica, é uma presença viva no texto, pois o narrador
frequentemente lhe responde perguntas implícitas, solicita sua atenção,
pede-lhe desculpas etc. Enfim, Stanislaw usa e abusa da função fática em suas
crônicas, transformando o leitor em seu interlocutor: “Como minha senhora? Se em Aracaju já tem serviço de radiopatrulha! Não
senhora, não tem não, dona”.
Vale
dizer ainda, a respeito que a função fática é um aspecto da linguagem que visa
estabelecer, prolongar ou mesmo cortar a comunicação entre dois interlocutores.
No estilo de Stanislaw Ponte Preta a função fática encontra-se bem acentuada, pois
o narrador continuamente se volta para o leitor atraindo a sua atenção ou
confirmando a sua atenção continuada: “Vocês
estão seguindo o nosso raciocínio? Então vamos em frente. Agora você aí, sente
o drama, vá”.
O
desejo de fisgar o leitor, de estabelecer um laço de empatia, também se
expressa na caracterização do narrador. Contrastando com a imagem quase ausente
do repórter que relata os últimos acontecimentos ou com a figura superior e
sisuda do jornalista de editorial que interpreta os fatos, esse narrador é
personalizado: chama-se Stanislaw Ponte Preta – Stan para os íntimos
personagens principais, Zulmira, Altamirando e Rosamundo. Aliás, a criação
desses personagens-parentes pode ser considerada outro trunfo do autor na
conquista de seus leitores.
Stanislaw
Ponte Preta exprime-se num coloquial popular muito saboroso. Além dos períodos
curtos, diretos do aproveitamento da gíria, ele é mestre em comparações
enfáticas, bem ao gosto popular: “O cara
estava mais suado do que o marcador de Pelé, ou ainda “Estávamos mais por baixo do que calcinha de náilon”. Mas a grande
particularidade do coloquialismo de Stanislaw é a incorporação irônica de um
estilo estereotipado próprio das camadas pretensamente “ilustres” ou “cultas”.
Enfim, para usarmos uma das suas expressões preferidas, um estilo “cocoroca”.
A
crítica as linguagens pomposas e estereotipadas é frequente nas crônicas de
Stanislaw. Para o cronista, o repórter policial (e também o locutor esportivo)
é um “entortado literário”: para ele, advogado é “causídico”, marinheiro é
“naval”, hospital é “nosocômio, vestir é “trajar”, e assim por diante.
Stanislaw Ponte Preta chegou mesmo a criar um personagem caricaturesco, o
doutor Data Vênia, grande manipulador de lugares-comuns ou chavões. O nome do
personagem provém da expressão latina data
venia, que significa “com a devida
vênia”, “com a devida permissão”.
Final
inesperado
As
melhores crônicas de Stanislaw, porém, são aquelas onde a disposição de
desfazer o sentido de uma palavra ou situação não se manifesta apenas no final
do enredo, mas parece atingir a estrutura da narrativa. Ou seja, a partir de
pistas falsas, a história é conduzida visando um final que não acontece, sendo
substituída por outro totalmente inesperado. Frequentemente essas pistas falsas
são descritas ou narradas de forma minuciosa, retardando a ação da narrativa e
assim acentuando o impacto do final inesperado.
Veja-se
a crônica “Menino Precoce”, em que um recém-nascido vaticina que seu pai
morrerá naquele dia às 2 horas da tarde. Desesperado, o pai abandona o hospital
e vai para casa contar as horas que faltam para o momento fatal.
“O cara voltou para casa inteiramente
abilolado. Sem conter o nervosismo, não contou para ninguém a previsão do
menininho precoce, mas ficou remoendo aquilo. Dez e meia, 11, meio-dia... e o
cara começou a suar frio. Uma da tarde, o cara já estava suando mais que o
marcador de Pelé.
Quando finalmente o relógio ultrapassa
em um minuto o prazo fixado, o pai escuta ruídos e gritos no apartamento ao
lado, anunciando que seu vizinho morrera subitamente. A
partir do recurso do quiprocó (confusão
de uma coisa por outra, isto é, o pai oficial não era o verdadeiro) e da
narração minuciosa do desespero do personagem, o leitor cria uma expectativa em
torno da morte do falso pai, que é rompida por um final totalmente inesperado.
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