Museu René Magritte em Bruxelas
As
estranhas relações que mantemos
com a cidade de origem
Sinclair Lewis garantiu que Deus faz o país, o homem
a cidade e o diabo a sua aldeia, e vingou-se de sua aldeia, ou província,
escrevendo Rua Principal - uma obra
cujo protagonista revolta-se contra a mentalidade mesquinha de uma pequena
cidade do meio-oeste americano. Menos furibundo, Gabriel García Márquez servia-se de sua Aracataca de todas as maneiras.
Arranjou-lhe outro nome - Macondo - e colocou-a no centro de seus livros:
aquele lugarejo da América do Sul onde acontece tudo que não é possível
acontecer e muito mais. Se realmente o diabo fez sua aldeia em Macondo, houve
exagero.
Da mesma forma que Sauk Centre
impressionou Sinclair Lewis e Aracataca serviu de trampolim para García Márquez
chegar à fama, com Cem Anos de Solidão,
outras províncias - aldeias ou não - têm quase sempre deixado marcas profundas
nos escritores, poetas e cronistas. Decididamente, os grandes escritores do
século 20 foram atraídos pelas metrópoles, mas mantiveram com suas províncias
uma relação tão conflituosa que mais se aproxima de uma espécie de complexo de
Édipo, na falta de um exemplo melhor. O que dizer de minha experiência, um
homem que não escapou da armadilha representada pela província? Uma breve
escala em Curitiba e uma parte no Japão, onde passei escrevendo
desesperadamente para papai, amigos, escritores, contistas e poetas, pedindo
para que não esquecessem de escrever, e não me deixassem abandonado, no
desterro da cidade quadriculada de jovens que tentam falar o inglês e sonham
nas ondas do Hawai.
Como gaijin (estrangeiro) esperneei enquanto pude e, na primeira
oportunidade que tive, escrevi um livro. O nome? Oriente-se – Manual de Procedimentos
no Japão. Depois, continuei refletindo situações ambientadas naquele país
e, principalmente, em Presidente Prudente e nas ruas periféricas. Mas, a
província me reserva uma estranha relação que mantenho de amor e antipatia:
escritores latino-americanos têm a curiosa mania de fazer peregrinações à
Europa ou Oriente, criando a sugestão de que aquilo deve ser um paraíso. Em
1994, refugiei-me no Japão, e lá sentia-me uma espécie de viúvo, não apenas de
Prudente, mas de todas as cidades da América Latina.
Os europeus e asiáticos, por sua
vez, com frequência, atravessam os oceanos em busca de algum ponto exótico da
América, alguma força. Eu rodei, por algumas cidades, mas, nunca perdi o ar de
homem da província, orgulhoso, vaidoso, tradicionalista, deslumbrado e
sonhador. No Brasil, são raros os casos de escritores que personificam esta
relação angustiosa com suas províncias. Itabira para Drummond é uma fotografia
na parede. Mas como dói. Dentro de mim, porém, se encontra algo semelhante,
talvez bem mais forte. Eu sou aquele que se exilou dentro de minha cidade,
Prudente. Sou como um escorpião de bote armado, uma ameaça que a espreita:
sempre à espera de uma oportunidade para revelar as fraquezas da cidade. Enfim,
um amante raivoso que cobre de beliscos tipo ferroadas de marimbondo a amada
porque ela não soube fazer a coisa justamente como devia. E, mais ou menos
nesse nível, vou dizendo que prefiro a cidade sem a farra do boi em rodeios ou
produtores rurais virtuais. Como não sei me livrar da província, vivo nela
dando-lhe o tratamento que acho mais adequado: beijos e ferroadas.
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