Imagem de Alexandre Sanches
É
o satélite solitário dos aventureiros,
símbolo dos místicos,
sonho
dos românticos, estandarte de todos
os
verões, até os da alma
Houve um
tempo em que os povos veneravam a lua, cantando músicas e contando lendas ou
“causos” trazidos de seus ancestrais. Essa gente divulgava, entre outros mitos,
tipos de seres extraterrenos que faziam contato na hora do eclipse. Com a
diminuição de seus raios, ocorre um aumento da sombra nas matas, águas das
fontes, mares, vales, cachoeiras e rochas. Seguindo as tradições milenares,
acreditam os chineses, como descreve um famoso poema, que uma princesa virgem
suicidou-se por ter sido largada no casamento. Pelo trauma do episódio, em todo
eclipse, ela vem procurar um rapaz, usando de todos os meios para convencê-lo a
morrer por ela. Ele, ao partir, com as mãos dadas a ela, fica preso no mundo
dos mortos, que seria o outro lado da lua. Assim, eles chamavam a linda jovem
de “A Dama da Lua.”
Então, Deus, o grande arquiteto do
mundo, puniu toda a gente que grita e agride, castigando pela nossa loucura e
soberba, profetizavam certos povos primitivos. A pessoa humana, na sua frente,
sumiu, passou a viver apenas como forma e tons, entrou na longa teoria de imagens
ligadas ou soltas. Tudo que fica dentro desse mundo é confuso, inconstante e
sem leis autorrealizáveis; e quem não ama e compreende o pensará arbitrário e
injusto.
Corri os olhos pelas ruelas e
avenidas escuras e meus olhos perderam-se na escuridão, nas pedras das
calçadas, meus sapatos fazem ruídos altos e irregulares. Andava como um cavalo
cego. De perto, era tudo um breu, mas encontrei um fio de luz que mostra a
praça Zequinha, no Parque São Judas Tadeu, pelo perfil indeciso dos telhados
marrom- avermelhados no céu noturno. Dentro do quadro, em volta da pérola
branca, existe um azul singelo e antigo, cor de roupa de adolescente, do tipo
jeans nunca lavado.
Talvez, existam povos escondidos e
perdidos no universo, esquecidos pelos meios de comunicação e, também, pelo
poder econômico e político das corporações e exploradores.
Nascem amores, o ódio dos desafetos,
a usura, a mesquinhez, ambição e brotam crianças neste inverno; a lua é cheia,
o mar vem crescendo de fúria sob um céu azul mercúrio e escuro. Mas, a
transformação mística e soturna da lua é passiva e calma, nós sobrevivemos: o
mundo continua e as ondas escuras na lua recuam, desanimadas. Mas, no sossego
de seu laboratório, ela é a rainha: imponente, solitária, em silêncio, refaz o
nosso mundo astral. Não apenas esse atual em volta dela, que se fragmenta em
mil formas, desde a folha amarela e seca, às construções e avenidas empoeiradas
e o ônibus moroso e cheio, os cubos estéreis dos edifícios de cimento e aço, as
vidas vistas pelos limites dos retângulos das janelas, que contém em seus
espaços, caixas com antenas de ondas até a nesga de mar azul além, lá, muito
além.
A lua está se movendo, lentamente,
sob os nossos olhos para viver sua harmonia feliz. Ela é que vai separar o véu
negro de sua face branca. Seu brilho misterioso é o satélite solitário dos
aventureiros, símbolo dos místicos, sonho dos românticos, estandarte de todos
os verões, até os da alma.
(Páginas 77, 78 e 79, do
livro Novas de Macho na Cozinha e Outros Ingredientes II, Crônicas, 242
Páginas, editora Clube de Autores, São Paulo, 2012.)
Você pode adquirir o
livro no site
da editora Clube de Autores:
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