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Ladainha





Ilustração de Rubens Shirassu Júnior








Seria mais efetivo se, em médio prazo,
as autoridades federais conseguissem atingir melhores
metas de desempenho no que tange a seu papel
constitucional de coibir o contrabando de armas




“A Justiça é cega, mas a injustiça podemos ver”

(De um morador de rua de São Paulo)










            A experiência internacional comprova que a forma mais eficaz de combater a violência é esquivar-se das falsas soluções de impacto, dos voluntarismos e se deter no estudo da criminalidade, no planejamento da ação repressiva e na alocação inteligente de recursos. Decerto, alguns casos de mais impacto na mídia que acabou na morte dos jovens Liana Friedenbach, 16 anos, e Felipe Silva Caffé, 19 anos, ocorrido há 10 anos, em Embú Guaçu, São Paulo, aguçam uma sensação generalizada de insegurança.  Como milhões de pais, sinto-me impotente por não poder interferir na questão, porque, ao contrário, terei que viver como um prisioneiro dentro de minha casa, trancado por cadeados, travas e alarme. Para o mentor do crime, Liana e Felipe foram apenas dois números de RG jogados no mato, marcados na própria pele com requintes de frieza e crueldade. Da mesma forma que fizeram no século passado com os judeus.
            Nesses momentos, autoridades prontificam-se a exercer seus pronunciamentos na TV, a prometer planos para daqui a alguns dias, a propor impropriedades como o Exército na repressão ao crime. A experiência e o bom senso recomendam cautela quanto à efetividade dessas manifestações. Assim, causa algum alento a declaração de um Ministro da Justiça, há quatro anos, de que, no combate à violência, “é preciso ação continuada, não manchete no jornal”.
            Todos os governos já cogitaram num Plano Nacional de Segurança Pública que atue em áreas como treinamento de policiais, construção de novos presídios, ampliação do efetivo da Polícia Federal, alteração de pontos do Código Penal e do Estatuto do Menor e do Adolescente, no que se refere à redução da maioridade penal para 16 anos, ou a volta da Rota nas cidades brasileiras. Vide a insanidade das pessoas comprando revólveres, pistolas, espingardas, empresários contratando seguranças, e quantos acessórios existem para levar à morte. E, outros que pedem a pena de morte no Brasil, como medida drástica para amedrontar e diminuir a violência. Em contraste, temos um judiciário que perde credibilidade, favorecendo a criação de um controle externo. Entre as principais dúvidas a respeito do programa, está uma fundamental. Haverá recursos para implementá-lo?
            Por outro lado, não se pode cobrar da esfera federal uma política que tenha efeito direto na melhoria da ação ordinária de repressão policial, que está a cargo dos Estados. Seria mais efetivo se, em médio prazo, as autoridades federais conseguissem atingir melhores metas de desempenho no que tange ao seu papel constitucional de coibir o contrabando de armas, de reprimir o tráfico de drogas e de debelar quadrilhas interestaduais que agem de modo organizado. Reduzir a entrada de armas e drogas já seria de grande valia na prevenção das cadeias menores de criminalidade que se instalam pelo País afora.
            Com relação às corporações militares e civis estaduais, em que pesem as enormes diferenças regionais, há alguns pontos que parecem comuns e que mereceriam os maiores cuidados. Ressaltam-se, nesse ponto, a dificuldade de produzir e lidar com informações sobre a criminalidade, a falta de ação integrada entre as corporações, o despreparo técnico e humano, a corrupção. Melhorar a ação policial no combate ao crime, portanto, é uma tarefa que requer muito planejamento, cujos frutos não serão colhidos rapidamente. Desse modo, governantes e legisladores, apenas atentos aos índices de popularidade dificilmente terão determinação necessária para perseguir essa meta que é uma das atribuições fundamentais do Estado: garantir segurança aos cidadãos.









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