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Lugar de Ideias e Imaginação














Quanto maior o espaço encontrado nas margens
de um livro, aumenta o seu valor














            Conhecer um sebo pode ser uma experiência inusitada. Ao entrar em contato com objetos de épocas e assuntos os mais variados, pressente-se no ar, como uma corrente de energia, um pouco da experiência humana, acumulada de geração em geração.  Num livro ou outra publicação impressa, percebemos visualmente os tempos idos. Mas, a percepção vai muito além. E é no mundo das ideias, da criatividade, que a magia do objeto acontece em toda a sua plenitude. A imaginação realiza voos fantásticos ao viajar em lugares, épocas ou situações desconhecidas. O ambiente do sebo moderno tornou-se, intencionalmente ou não, um lugar propício para estes passeios da imaginação. Um ambiente de paz e aconchego onde se esconde, em pilhas de objetos antigos e empoeirados, um pouco de história.
            Assim é o sebo ou antiquário, uma atividade nem sempre lucrativa, mas que exige bastante dedicação e paciência do proprietário. Paciência para pesquisar raridades, descobrir pessoas que pretendam se desfazer de suas bibliotecas, das suas quinquilharias  em amontoadas no quarto de despejo ou buscar em anúncios de jornais, revistas e internet, aqueles que oferecem objetos usados para vender. Embora se trate de um comércio de sobrevivência difícil, dá muita satisfação quando o proprietário descobre, por exemplo, uma obra rara no meio de um lote de livros didáticos adquiridos.
            A solução encontrada pelos estudantes, pelos diletantes e livreiros para tornar o objeto mais acessível, foi reaproveitar no mercado as obras de segunda mão, como se nota até hoje.
            Há os que, além das obras raras, fazem a restauração e encadernação de livros ou retoques num velho quadro e oferecem um cafezinho. Uma característica do sebo é que os clientes, em geral, acabam amigos dos proprietários e chegam a trocar os seus pertences e dar informações sobre coleções a serem desfeitas. São vários os elementos que contam. A começar do próprio sebista, sempre disposto a levar um “bom papo” e talvez, até tomar um cafezinho com o frequentador que se mostre mais interessado. Afinal, trata-se do assunto predileto, às vezes, objeto de anos de dedicação do verdadeiro sebista. É comum encontrar cadeiras ou banquinhos e espalhados pelo sebo e frequentadores cercados por pilhas de raridades, vasculham pelas estantes com calma e atenção.
            Um detalhe importante de se ter em mente é a distinção entre objeto usado e obra rara. O livro usado, geralmente, tem uma edição não esgotada no mercado não tão antiga. Sua compra é efetuada por quem procura livros em circulação no mercado a preços bem mais acessíveis.
            Já as obras raras, são olhadas por um outro prisma. São livros de edições já esgotadas, às vezes, com mais de séculos de idade e outras características que só os colecionadores sabem reconhecer. Como por exemplo, quanto maior o espaço encontrado nas margens de um livro, aumenta o seu valor. Pode-se encontrar obras anteriores à história do sebo no Brasil e que talvez tenham até passado pelas estantes de Albino Jordão, considerado o primeiro sebista brasileiro. Muitas dessas peças podem estar ainda em circulação graças ao carinho e cuidados dispensados pelos precursores do sebo, e muitos outros discípulos que vêm dando continuidade ao sebo nos dias atuais, fazendo, de um modo discreto, um pouco de história.










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