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Mostrando postagens de junho, 2024

Redemoinho perturbador na casa (4)

  (Quarta parte) A obra une com esmero os ‘fantasmas’ reais e fictícios do autor empírico. Fernando Sabino, na carta supracitada a Lúcio Cardoso, afirma ser essa a obra que mais demonstra a habilidade do nosso escritor com as palavras. Vejamos: As palavras do seu livro me impressionaram muito, como você está sabendo jogar com elas, como você está conseguindo dizer com elas o que tem a dizer! Tudo se ajusta perfeitamente, o conteúdo, a forma, esteticamente acho que “Dias Perdidos” é admirável. Nada ficou por dizer, nem um desvio de pensamento, nem uma daquelas desorientações tão comuns, o autor alucinado pelo turbilhão de palavras que vêm brotando sem parar, nada disso. Há uma harmonia linda no seu livro, principalmente nas duas primeiras partes, por onde a nossa emoção escorrega, e a gente sofre impulsivamente uma a uma de suas palavras. [...] Achei seu livro admirável, sob todos os aspectos! [...] Com franqueza, acho ‘Dias Perdidos’ uma obra prima, acho que existem muito poucos li

Redemoinho perturbador na casa (3)

  (Terceira parte) Cardoso parece ter levado essa questão a sério em sua escrita. Uma escrita que fala mais do que parece querer dizer; que, embora cheia de lacunas, traga o escritor para dentro de seu redemoinho de paixões insuspeitas, fracassos e desilusões para com as estruturas sociais armadas pelas famílias tradicionais de Minas Gerais. Seu desejo torna-se, portanto, visível em suas narrativas, principalmente no romance Dias perdidos , que foi considerado por Mario Carelli (1988) como um “romance autobiográfico”. Cássia dos Santos, pesquisadora da obra de Lúcio Cardoso, também considera o livro como sendo “de cunho autobiográfico, [que] denunciava o trabalho de um escritor mais maduro, apresentando temas e motivos que seriam caros ao futuro autor de Inácio e da Crônica da casa assassinada”. O romance Dias perdidos conta a história de Sílvio, um personagem transtornado e marcado pela desarmonia e melancolia causadas, dentre outros fatores, pela falta do pai. O pai de Sílvio, J

Um rebanho caminhando sem amanhã

  Um dramático perfil com tamanha angústia, que representa uma geração dilacerada, na tristura e no desencanto   “Que esfinge de cimento e alumínio lhes rebentou os crânios e lhes devorou os cérebros e a imaginação?” Hawl (Uivo), de Allen Ginsberg   Aos 15 anos – disse Peri, começando a sua história – eu não pensava em quase nada importante. Vivia, acho, como todo rapaz desta idade. Estava começando a fumar, porque o cigarro me dava segurança, aos sábados e domingos ia num outro barzinho, bebia cerveja, contava mentiras sobre minha vida sexual. O balcão do bar próximo a rodoviária (Terminal Rodoviário Comendador José Lemes Soares), tendo quatro frequentadores semi-embriagados, não era bem o ambiente propício para tal conversa. Mas era ali, no meio daquela balbúrdia, que Peri começava a contar-me sua via crucis passada: o roteiro às vezes cômico, mas quase sempre amargo, de suas frustrações. Muito cedo ele se descobriu meio sozinho no mundo, embora morando com a famí

Redemoinho perturbador na casa (2)

  (Segunda parte) O autor mineiro Lúcio Cardoso constituído por sua própria fragmentação e marcado pelo sinal que não perdoa, aproximando a sua vida a seus romances, embora não haja uma “relação de causa e efeito” entre vida e obra, há uma grande proximidade entre elas: Hoje, cada vez mais, a leitura que se faz da ficção literária leva em conta a vida daquele que escreve, não estabelecendo uma relação de causa e efeito entre ambas, mas considerando a própria vida como um texto tecido de palavras, linguagem que constitui o sujeito atravessado por elas que, por sua vez, dizem deles. Tal aproximação pode ser comprovada por palavras do próprio Lúcio Cardoso em um artigo escrito sobre as obras de William Faulkner: “Do nada só se tira o nada – e o criador tira sua criação, qualquer que seja ela, do seu fermento intimo (sic.), de suas contradições, de sua ânsia (sic.) de entender e impor ao mundo, um conjunto de valores que representem uma imagem de sua força interior.” Dessa forma, p

Tina caça de dia

    Um estilo autêntico de atender o público consumidor Em meio ao fluxo de carros, motos e transeuntes, a mulher corre seus olhos atenta como um lince. Dentro deste semblante felino vive a guerreira experiente, protegida pelo escudo da seriedade contra as armadilhas do cotidiano, de exclusões, do desprezo, de ofensas verbais, decorrentes do preconceito. Mas, no decorrer da vida, Cristina possui um quintal dentro de sua alma, apesar do desrespeito por grande parte da sociedade. As flores de pétalas vermelhas projetam a vida plena e radiante que habita o seu jardim interior, estampado na camiseta que usa. Mesmo no baile de máscaras de Presidente Prudente, Cristina ou simplesmente “Tina”, desempenha seu papel neste espetáculo, de forma corajosa, de olhar fixo, penetrante, de comunicação clara e objetiva A cena tem algo descontraído como nas margens de uma represa. Usando uma camiseta verde musgo que destaca as flores de pétalas vermelhas, sem maquiagem e cílios postiços, Cristina, se aco