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Redemoinho perturbador na casa


(Uma introdução)

Se a arte cria novos mundos, mas o eu precisa morrer um pouco para dar lugar a universos não seus, inventados. A criação poética presente em toda arte também implica numa representação da morte Há um outro aspecto evidente: além de significar uma vivência da morte, arte seria uma superação da morte - e sobre este tema nos deteremos um pouco mais adiante. Quanto à sua relação com a loucura, a criação poética, mais talvez do que qualquer outra experiência humana, resume as duas grandes experiências do morrer: há nela um gesto de amor apaixonado e radical, ao mesmo tempo que um mergulho na loucura. Assim, refletirei sobre a criação da escrita ficcional como ato de loucura e de transferência que instiga.

A relação estabelecida entre a vida e a escrita sempre foi muito discutida no meio literário. Em alguns casos, acreditava-se ser apenas o texto o objeto de pesquisa importante para o desenvolvimento da crítica. Em outros, biografias eram analisadas, fazendo da memória a principal marca da escrita e uma forma de reconstrução da vida, uma vez que a língua permite que o autor possa, através das palavras, (re)inventar a memória e fazer de sua obra um reflexo, mesmo que nebuloso, da imagem que se constrói do real.

Neste texto pretendo destacar alguns pontos comuns entre Dias Perdidos, de Lúcio Cardoso, e a vida do próprio autor, pois se pode perceber que as suas obras refletem passagens de sua vida, principalmente no que diz respeito às questões relacionadas à paternidade, traçando um paralelo entre a relação estabelecida entre ele mesmo e seu pai, Joaquim Lúcio Cardoso, e a relação entre Sílvio e Jaques, personagens do romance. Para comprovar essa relação vida/obra, utilizaremos os estudos de Sigmund Freud.

Um escritor inventor de totalidades existenciais que seguiu a vertente do romance psicológico, voltando-se para a intimidade das suas criaturas. Seus romances possuem um caráter denso e fogem do cenário de paisagens ensolaradas mineiras, chegando ao subterrâneo e à escuridão, nos quais o apresenta personagens envoltas em tabus e contratos sociais que as levam ao fracasso. A tragédia humana aparece, então, como um dos principais temas cardosianos sendo explorada com um tom alucinatório, carregado de paixão, melancolia, angústia, erotismo, solidão e desespero.

  

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