(Segunda parte)
O autor mineiro Lúcio Cardoso constituído por sua
própria fragmentação e marcado pelo sinal que não perdoa, aproximando a sua
vida a seus romances, embora não haja uma “relação de causa e efeito” entre
vida e obra, há uma grande proximidade entre elas: Hoje, cada vez mais, a
leitura que se faz da ficção literária leva em conta a vida daquele que
escreve, não estabelecendo uma relação de causa e efeito entre ambas, mas
considerando a própria vida como um texto tecido de palavras, linguagem que
constitui o sujeito atravessado por elas que, por sua vez, dizem deles.
Tal aproximação pode ser comprovada por palavras do
próprio Lúcio Cardoso em um artigo escrito sobre as obras de William Faulkner:
“Do nada só se tira o nada – e o criador tira sua
criação, qualquer que seja ela, do seu fermento intimo (sic.), de suas
contradições, de sua ânsia (sic.) de entender e impor ao mundo, um conjunto de
valores que representem uma imagem de sua força interior.”
Dessa forma, percebemos a escrita como forma de se
reinventar, uma maneira de dizer de si sem se comprometer com a verdade,
podendo, assim, utilizar-se tanto do imaginário quanto da memória. Escrever
seria, portanto, fragmentar o sujeito escritor, fazendo dele próprio – de suas
emoções, sentimentos e dúvidas perante o mundo – sua matéria-prima, matéria
essa que envolve processos de reconstrução, uma vez que a escrita dá ao
indivíduo o poder de intervir, de recriar. A reconstrução de si mesmo passa,
então, a ser um dos objetivos da escrita para Lúcio Cardoso, que se utiliza do
discurso para se reafirmar e se realizar:
Sabemos que a escrita vai na frente de quem escreve,
tem alguma coisa de oracular, que é o outro nome do desejo: desejo de
realização do que há de mais genuíno no sujeito: uma nova ordem, um mundo que
se possa abrir para fora do instituído, dos estreitos limites do senso comum, para
além das representações vigentes, problematizando o conceito de normalidade, criando
um novo espaço de construção de saber e de invenção da vida. Sua saída, de
Lúcio Cardoso, talvez esteja em uma escrita que disse mais do que o escritor
supunha, pois o ato de escrever ultrapassa aquele que escreve, abre outras
fronteiras, franqueia um espaço para que o desejo fale, mesmo que essa voz não
se faça reconhecer facilmente.
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