Pular para o conteúdo principal

O legado de Anísio Teixeira (11)

 


(Décima primeira parte)

Nessa sua pregação, mais política que educacional, Anísio se aproxima de intelectuais de renome como Gilberto Freyre, que apesar de ver a História do Brasil de uma forma diferente de Anísio, na questão da descentralização, ao pensar na preservação da identidade regional, revela afinidade com ele. No livro “Interpretações do Brasil”, Freyre, usando o processo espanhol de formação nacional como alegoria, define posições contrárias a qualquer tentativa de se impor um modelo único de dominação para todo o país. Quando fala do castelhanismo, como uma alegoria à dominação dos Estados do Sul sobre o resto do país, coloca sua oposição à prevalência de uma região sobre outra região (oposição sul/sudeste a norte/nordeste). Pode-se dizer que, neste aspecto, há um mesmo sentido nas posições de Anísio e Gilberto Freyre (1947), de defesa da diversidade regional e de respeito às diversas culturas presentes no país:

Castelhanismo no Brasil, como eu vejo, não significaria somente uma região ou sub-região, lutando através de algum Filipe II, para dominar outras regiões ou sub-regiões. Não significaria somente um Estado – teoricamente um Estado Federal com direitos iguais aos de qualquer outro, mas praticamente um poder imperial – querendo dominar todos os demais Estados. Isto aconteceu durante a primeiro período republicano no Brasil [...]: Castelhanismo no Brasil – repito – pode significar e tem significado mais do que isso: mais do que esse estadualismo. Tem significado outras formas de dominação por maiorias brutalmente poderosas sobre minorias, cujos direitos deveriam ser respeitados dentro de um regime de diversidade cultural realmente criadora (p. 151).

Para Anísio, a descentralização teria como finalidade principal a de libertar as forças naturais ou espontâneas contidas no interior da sociedade brasileira, há muito sufocadas pelas regulamentações e centralizações impostas de cima para baixo. Essa libertação das forças naturais passaria, entretanto, pela superação, do que Anísio chama de “pesado legado da colonização portuguesa”, as raízes ibéricas, que mantinham grande parte da nação, apegada a valores há muito superados nos países de tradição européia e americana do norte.

Em sua crítica à colonização portuguesa, o pensador baiano se aproxima muito de outros intelectuais da época, numa mesma visão “lamentosa”. Entre os intérpretes da realidade brasileira que se aproximam de Anísio, destaca-se Sérgio Buarque de Holanda que no livro ”Raízes do Brasil”, publicado em meados da década de trinta, desenvolve raciocínio muito semelhante, destacando a duplicidade da história colonial portuguesa, além do que, na qual imperou o espírito de aventura, do improviso e do desleixo, sem maiores rigores de uma obra baseada na racionalidade. A esse respeito Marcos Freitas (2000) comenta que “Anísio deixou-se convencer (escolheu!) por uma tradição historiográfica lamentosa em relação ao passado português no Brasil. Rejeitava o forte componente privado que esse passado legara à cultura do país (p. 46).

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na