(Quarta parte)
A
obra une com esmero os ‘fantasmas’ reais e fictícios do autor empírico.
Fernando Sabino, na carta supracitada a Lúcio Cardoso, afirma ser essa a obra
que mais demonstra a habilidade do nosso escritor com as palavras. Vejamos:
As
palavras do seu livro me impressionaram muito, como você está sabendo jogar com
elas, como você está conseguindo dizer com elas o que tem a dizer! Tudo se
ajusta perfeitamente, o conteúdo, a forma, esteticamente acho que “Dias
Perdidos” é admirável. Nada ficou por dizer, nem um desvio de pensamento, nem
uma daquelas desorientações tão comuns, o autor alucinado pelo turbilhão de
palavras que vêm brotando sem parar, nada disso. Há uma harmonia linda no seu
livro, principalmente nas duas primeiras partes, por onde a nossa emoção
escorrega, e a gente sofre impulsivamente uma a uma de suas palavras. [...]
Achei seu livro admirável, sob todos os aspectos! [...] Com franqueza, acho
‘Dias Perdidos’ uma obra prima, acho que existem muito poucos livros onde o
autor se sinta tão senhor de si. [...] A serenidade com que a gente tem a
impressão que você conseguiu criar o livro é realmente admirável. Ele existia,
então você escreveu. Contando com todos os elementos, com todas as qualidades,
com todos os recursos, tudo ajustado, certo, nada faltando ou sobrando. Uma
perfeição de equilíbrio no movimento, harmonia na concepção.
(SABINO, 1943, s/p.)
O
interesse de Fernando Sabino é admirável, pois implica ir contra o pensamento de
Mario de Andrade, seu mentor à época, que, em carta a Sabino, havia tecido
comentários pouco elogiosos à literatura de Lúcio Cardoso, devido ao fato de o
escritor mineiro estar muito envolvido com a questão católica naqueles idos dos
anos 1940. No entanto, deve-se destacar que Sabino, não contente em denominar
Dias perdidos de obra-prima, afirma que Lúcio Cardoso exibe uma serenidade ao escrever
o texto, “é senhor de si” nesse livro. Do mesmo modo, não deixa de ser
instigante o fato de o autor de O encontro marcado considerar que o livro
“existia”, apontando para um texto que fermenta dentro do sujeito escritor até
o momento de sua produção, produção esta que parece brotar sem arestas, na qual
nada falta nem sobra. Assim, ainda segundo Sabino, percebe-se na linguagem de
Dias perdidos uma musicalidade e harmonia intensas que completam com maestria a
denúncia da crueldade mascarada de uma sociedade, de uma família em ruínas,
tema recorrente nas obras cardosianas.
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