(Terceira parte)
Cardoso
parece ter levado essa questão a sério em sua escrita. Uma escrita que fala
mais do que parece querer dizer; que, embora cheia de lacunas, traga o escritor
para dentro de seu redemoinho de paixões insuspeitas, fracassos e desilusões
para com as estruturas sociais armadas pelas famílias tradicionais de Minas
Gerais. Seu desejo torna-se, portanto, visível em suas narrativas,
principalmente no romance Dias perdidos,
que foi considerado por Mario Carelli (1988) como um “romance autobiográfico”.
Cássia dos Santos, pesquisadora da obra de Lúcio Cardoso, também considera o
livro como sendo “de cunho autobiográfico, [que] denunciava o trabalho de um
escritor mais maduro, apresentando temas e motivos que seriam caros ao futuro autor
de Inácio e da Crônica da casa assassinada”.
O
romance Dias perdidos conta a história
de Sílvio, um personagem transtornado e marcado pela desarmonia e melancolia
causadas, dentre outros fatores, pela falta do pai. O pai de Sílvio, Jaques –
variação francesa de “Joaquim” (vale ressaltar que Joaquim, nome do pai
biológico de Lúcio Cardoso) –, é apresentado na obra como um homem desprendido
de qualquer vínculo familiar, um viajante, aventureiro, preso a sentimentos
efêmeros que se perdem em suas buscas por realizações pessoais. De acordo com o
narrador em terceira pessoa: “Na realidade ele não amava senão o que era
exatamente efêmero” (CARDOSO, 1980, p.10). Jaques se mostra, então, como um pai
fracassado, desprovido de qualquer possibilidade de exercer sua função paterna,
já que, “secretamente Jaques odiava o matrimônio” (CARDOSO, 1980, p.10). Ciente
de seu fracasso como elemento de autoridade familiar e movido pela busca
incessante de realização, o patriarca abandona sua família, deixando para
Sílvio um ambiente desestruturado e melancólico.
Após
a partida de Jaques, Clara, ainda apaixonada pelo homem charmoso e sedutor que
o marido fora, passa a culpar o filho por sua solidão, deixando-o à margem de
sua presença. Assim, Sílvio passa a infância sem referenciais paternos e tenta
suprir a falta do pai delegando a outros essa função. Essa busca torna Sílvio
um indivíduo transtornado e desacreditado de si mesmo, o que, mais tarde,
resultará em um adulto fracassado, vencido por traições e sentimentos de culpa.
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