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Makarenko e a pedagogia da vida (2)

 


Foto de Ria Novosti

(Segunda parte)

Trabalho e educação

Makarenko não é reconhecido enquanto um teórico da Pedagogia, mas como um pedagogo prático, que chocou dogmas e conseguiu, num momento histórico específico, transformar um bando de jovens assaltantes no núcleo de uma colônia agrícola autosuficiente.

A partir da criação da colônia de Poltava, que posteriormente passou a autodenominar-se colônia Gorki, Makarenko provoca discussões para os pedagogos da jovem república soviética, a idéia da educação através do trabalho significava o caminho a ser perseguido para a construção do novo homem. “A palavra trabalho parecia apresentar uma lógica infalível”, comenta Makarenko. No entanto, com base em sua experiência na colônia Gorki, ele se contrapõe a essas afirmações, sustentando que o “trabalho que serve como meio educativo só é possível como parte de um sistema geral”, caso contrário, funcionaria meramente como “um exercício para consumir a energia muscular de menores delinqüentes”. Na opinião do pedagogo de Poltava, “o trabalho sem uma educação política e social que acompanhe não produz efeito educativo algum”.

Nada como antes

Depois das dificuldades que marcaram os primeiros tempos da colônia Gorki, o grupo inicial e os garotos que chegavam dedicavam-se apenas a completar as rações insuficientes, cedidas pelos órgãos públicos. Para garantir a alimentação dos educandos, Makarenko organizou na colônia o trabalho agrícola, onde cultivavam cereais e legumes e criavam porcos. Aos poucos, a economia pequena e atrasada da comuna desenvolveu-se através do esforço comum pela sobrevivência, forjou-se uma coletividade e fortaleceu-se, aos poucos, o espírito comunitário. Por um lado, a coletividade satisfazia as demandas e necessidades dos meninos e, por outro, educava os meninos numa psicologia coletivista. Uma das principais idéias que se pode extrair da experiência de Makarenko é a força pedagógica do grupo, que permite uma leitura de seu método no sentido da psicologia social, “enfocando a força quase inescapável do grupo em relação ao indivíduo sozinho.

Um outro ponto fundamental da filosofia da reeducação socialista de Makarenko é sua determinação inquestionável em ignorar a história pregressa dos educandos. Ele firma sua postura numa premissa estabelecida pela própria Revolução de 17 – a de que nada do que fora aplicado antes da grande transformação era válido, entendendo que as relações sociais da nova realidade do país excluíam qualquer atitude negativa diante dos menores infratores.

O escritor Máximo Gorki resumiu esse procedimento de Makarenko com exaltação, escrevendo: “Fora com o dia de ontem, com a sujeira e a indigência espiritual. Que o lembram os historiadores, mas as crianças não precisam dele, ele lhes é nocivo”. Makarenko baseava a sua relação com a coletividade na confiança total e noções de honra, determinando até o ritual de queima das roupas dos educandos em sua chegada a colônia, como se ali eles nascessem de novo.

 


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