Sofrimento
e dor nas letras de Noel Rosa e Ary Barroso
CANCIONEIRO CARIOCA E
BRASILEIRO
Glauco Mattoso
Soneto
Coleção
Dix Editorial - Série Mattosiana
Áreas:
Letras e Literatura
Editora
Annablume
212
Páginas
1ª
Edição – Novembro de 2008
São
Paulo - SP
No quinto volume da série "Mattosiana",
Glauco Mattoso inclui quase quatrocentos sonetos dedicados à música popular
brasileira, recapitulando gêneros populares e estilos individuais que fizeram
história, desde o maxixe pré-radiofônico até o rock pós-tropicalista, num
desfile paródico que vai do carnaval ao festival e do terreiro ao território.
A polêmica de suas criações, em menos
de quatro décadas, mereceu um número surpreendente de artigos, ensaios e
citações em revistas e jornais dos Estados Unidos. Mas, ainda que muito
estudado e reconhecido nas universidades americanas, mantém-se sempre uma aura
de apatia e preconceito em torno de seu nome e de sua obra, devido mesmo à
fixação da podolatria homoerótica (fetiche por pés), um tema polêmico e
instigante em seus textos. Ao mesmo tempo ousado por não seguir a métrica
rígida do soneto e versátil por não manter um estilo próprio de poesia.
“Um criador de anarquias”, cito as
palavras de Fernando Pessoa, sobre o papel digno do intelectual dado que o
método tradicional de análise desintegra o valor original do texto artístico.
São os seus jogos mentais, que nos levam ao difícil, subvertendo raciocínios,
crenças, referenciais por um humor negro, frio, irônico e perturbador, apesar
de abusar de paródias e do chiste. Os ingredientes de seu caldeirão
antropofágico de estilos incluem o sadomasoquismo explícito, a podolatria
escancarada, a coprofagia, o sarcasmo feroz e a ironia ferina, longe de ser
digerido pelos paladares “delicados” e sensibilidades mais refinadas da “alta e
nobre” cultura.
Como os famosos malditos, Glauco Mattoso
sabe que alguns homens nascem para a posteridade, mesmo com os elogios de Millôr Fernandes, Augusto de Campos e Caetano Veloso, citado em Língua do cd Velô. Lúcido do boicote e exclusão de seus versos pelos falsos moralistas,
só a consciência e o idealismo motivado pelos guetos culturais o manteve,
apesar das adversidades e incompreensões, no caminho solitário de trabalhar no
acervo que deixará ao futuro. Como diz um dos sonetos musicados “a dor é vida”,
reflexão junto à vida experimental, com grande carga de humor corrosivo,
crítico e sarcástico, pode-se compreender a sua sinceridade e coragem.
Desde os anos 70, seus livros são
quase completamente ignorados do grande público. Pela natureza própria dos
escritos, distante da fácil inteligibilidade do leitor comum, e contrária,
deliberadamente, das criações naturalistas-amorosas que norteiam a lírica e o
imaginário até hoje. A atualidade de sua poesia, agora com maior maturidade do
que há trinta anos, possibilita atingir diversos públicos e idades.
SONETO
PARA UM COITADO CONFORMADO [2683]
Noel
sadomasoca se revela
o
tempo todo. Às vezes, diz que sabe
soffrer
calado aquillo que lhe cabe,
às
vezes se revolta e se rebella.
Sorrir
de quem padece: elle ri della,
querendo
se vingar, caso se gabe
de
ser quem, no namoro, tudo acabe,
mas
saca que melhor rirá a cadella.
Vingança
é só pretexto: o que elle quer
é
ver que uma mulata sapateia
até
no seu caixão, quando couber.
Emquanto
elle não morre, quer que creia
o
ouvinte que elle batte na mulher,
mas
della é pedestal, bonita ou feia.
(reorthographado em 14/02/2012)
PARA
UM CRESPO PRECONCEITO [2565]
Cabello
de mulata nunca nega
a
cor, mas Lamartine Babo explica:
"Eu
quero o teu amor!" Só que isso implica
o
preconceito, "como a cor não pega".
Tambem
um preconceito seu collega
lettrista
reflectiu, ja que alguem fica,
na
lettra, a lamentar, nos dando a dica
de
amar a escravatura. E o jogo entrega:
"Voltasse
a escravidão, eu compraria
e
em carcere privado (o coração),
sem
pejo, essa mulata manteria!"
E a
"nega do cabello duro"? Não
ha pente que
a penteie! Quem havia
de, agora,
contra os negros ver canção?
SOBRE
A MULATA [2791]
Foi
feito o preconceito sem receio.
Feitor,
quasi, será o compositor:
"Mulata,
mulatinha, meu amor,
tenente-interventor
teu me nomeio!"
Um
outro quer compral-a e diz: "Anseio
que
volte a escravidão!" Mas esse auctor,
ou
seja, quem componha, la quem for,
enxerga
na mulata um prato cheio.
"Quando
ella passa, todo mundo grita:
estou
nessa marmita!", canta a plebe,
segundo
outra marchinha que se cita.
E
quanto à dicta cuja? Ella recebe
tudo
como louvor: "Não sou bonita
apenas
pros meus negos!" Se percebe!
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