Pular para o conteúdo principal

Condutores de Energia














Sistema de vidência e cura, o Xamanismo está presente
em todas as culturas primitivas e também na civilização






De plenas manhãs
a sabedoria do xamã
muito adiante
das telhas e estrelas,
é elegante a dualista xavante.










            Como ocorre em várias tradições médico-espirituais do Oriente, os índios guaranis reconhecem a existência de um corpo sutil sobreposto ao corpo físico. Os centros energéticos desse corpo sutil correspondem exatamente aos sete xacras das iogas indianas. A maior parte das doenças – e aqui não se distingue o somático do psíquico – vem do desequilíbrio dessa energia ou da intrusão de energias externas e desestruturantes. Karai Geguaka, 53 anos, defuma o corpo de uma menina com fortes dores abdominais, da cintura para cima. Sentado diante do ambaí, ao pé do fogo, conta a sua iniciação ao Xamanismo. “Meu sogro mandou eu fumar o petenguá. Fumei e Nhanderú Papa Tenondé, Deus Pai Todo-Poderoso. Não é um deus pessoal, com feições e afeições humanas, mas o poder supremo que rege o universo e de cujo corpo todos os seres, manifestos e imanifestos, fazem parte.
            A fumaça do petenguá atua sobre o corpo sutil como as agulhas da acupuntura ou as pontas do incenso incandescentes da moxabustão: restruturando a energia. Ao mesmo tempo, o pajé massageia a paciente com gestos que mal parecem tocar a pele. Todos os movimentos convergem para um ponto preciso no abdômen. Aí, ele coloca a boca nesse ponto e suga. Segue-se um forte acesso de tosse. Uma nova sucção e o xamã desfalece, tendo que ser amparado por seus auxiliares. Ele acaba de retirar o “mal” com a boca. Vai para um canto do Opy (a casa de oração), e vomita. No vômito aparece um pequeno embrulho de papel celofane amarrado várias vezes. Dentro do embrulho, um inseto, cercado de areia branca. Karai Geguaka explica, depois, que a jovem havia sido enfeitiçada. Ele sabe disso pelo tipo de “materialização”. Quando a doença tem causas naturais, a energia intrusa se manifesta em formas como insetos ou pequenas serpentes, nunca em artefatos iguais aos produzidos pelo homem.
            Quem prossegue a explicação é outro guarani, Karai Mirim, 57 anos. Iniciado na sabedoria esotérica dos xamãs, descendente de uma extensa linhagem de pajés e profundo conhecedor das tradições milenares de seu povo, ele é também formado em história, com perfeito domínio da língua portuguesa e da cultura “branca”. Minerais, vegetais, animais, tudo o que existe no universo, nas bilhões de galáxias, é dotado de espírito e está interligado”, afirma. “O trabalho do pajé é trazer essa força do macrocosmo para atuar no microcosmo do ser humano. “Por isso” – prossegue -, “o corpo do xamã deve estar em perfeito equilíbrio com o corpo cósmico. Os centros de energia sutil são os elos de ligação. Para manter esse canal aberto, o pajé precisa evitar os maus hábitos alimentares da chamada civilização: açúcar, sal, carne e bebidas alcoólicas.



( Primeira Parte)





Leia:




The Way of The Shaman, Michael Harner, Bantam Books;
Shamanic Voices, Joan Halifax, Penguin Books;
Shaman: The Wounded Healer, Joan Halifax, Thames and Hudson;
Shamanism, Mircea Eliade, Princeton University Press;
Todos os livros de Carlos Castañeda, Editora Record;
As Curas Paranormais, George Meek, Editora Pensamento.










Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na