Escritor defende um mundo pré-moral e bárbaro, no sentido
religioso
Pier Paolo
Pasolini permanece um enigma para os jovens a quem esses artigos e ensaios de Os Jovens Infelizes – Antologia de Ensaios Corsários (organização
de Michel Lahud, tradução de Michel Lahud e Maria Betânia Amoroso, Editora
Brasiliense, 251 páginas, 1990) supostamente se dirigem. A primeira parte do
livro é dedicada à dissecação de modelos culturais, artigos em que Pasolini
atua como analista da novíssima desordem cultural, econômica e política. Na
segunda parte, ele fala de comportamento sexual, para finalmente chegar a uma
entrevista chocante concedida ao jornalista Furio Colombo, do jornal Tuttolibri, poucas horas antes da sua
morte, em 2 de novembro de 1975. Nessa entrevista, Estamos Todos em Perigo (título sugerido por Pasolini), o poeta e
cineasta faz a sua verdadeira crônica da morte anunciada, revelando que corria
o risco de um linchamento físico, após ser moralmente assassinado pela sociedade
italiana. Horas depois, seria morto por um de seus ragazzi di vita (Meninos
da Vida, livro do próprio escritor, poeta, sociólogo e cineasta italiano) um
marginal de nome Pelosi.
Um dos primeiros textos do livro, O Discurso dos Cabelos, originalmente
publicado no Corriere della Sera em
1973, fala de "seres monstruosos" que Pasolini viu no Irã, seres
parecidos com seu suposto assassino Pelosi, proletários que se pretendiam
filhos de burgueses pródigos. Essa falsa imagem, mais do que um equívoco,
exprime o espírito de uma abominável mutação, que não é genética, mas
histórica. Essa atitude isolacionista dos jovens iranianos, rejeitando seus
pares, é condenada por Pasolini mesmo antes do advento do
"cromatismo" tribal americano (vide a guerra das cores em Colors, de Dennis Hopper). A
contrapartida "reacionária" fica por conta da redução dos
"cabeludos" a estereótipos de debilóides a proferir discursos
dislógicos, quando Pasolini conhecia o perigo da generalização (um exemplo
disso é que Julian Beck, diretor do Living Theater, que fez o cego Tirésias em Édipo Rei, estava longe de ser um
imbecil.)
A defesa apaixonada de um mundo
pré-moral, bárbaro (no sentido religioso) é, na verdade, a mensagem subliminar
de quase todos os artigos de Os Jovens
Infelizes. Ao analisar uma campanha publicitária do jeans Jesus ("Não terás outro jeans além de
mim"), Pasolini acusa os industriais de representarem o "novo
poder laico" que coloca por terra qualquer possibilidade de sobrevivência
do humanismo. Há uma religiosidade na poesia dialetal que seu companheiro
Cesare Zevattini não percebe em seu livro "Stricarmín
d´na Parola" (Restringir-me a uma Palavra), embora Pasolini seja
generoso com ele, poupando o escritor e roteirista de críticas mais duras do
que uma simples fobia homossexual.
A generosidade se transforma em
conselho ao escritor Ítalo Calvino,
que condenava em Pasolini sua nostalgia do mundo agrário. Calvino escreveu que
não conhecia os jovens fascistas aos quais o cineasta se referia em suas
críticas, a quem nem pretendia conhecer. A resposta de Pasolini é brilhante.
Esses jovens fascistas, segundo ele, não nasceram para ser fascistas. "Talvez uma simples experiência diversa
na sua vida, apenas um simples encontro, tivesse bastado para que seu destino
fosse outro". A cultura, diz, "produz
certos códigos, que produzem certo comportamento". É na linguagem que
deriva desse comportamento que está a ponte ou o precipício para os jovens
infelizes.
OS
JOVENS INFELIZES
ANTOLOGIA
DE ENSAIOS CORSÁRIOS
Pier
Paolo Pasolini
Organização de Michel Lahud
Tradução de Michel Lahud e Maria Betânia
Amoroso
Ensaios e Artigos
251 Páginas
Formato: Brochura
Editora Brasiliense
SãoPaulo – 1991
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