Night Café at Arles
de Paul Gauguin (1888)
Agora
vou te contar, doutor, a noite de encontro fatal na boate. Era tonto feito peru
novo, barba na cara, mas ainda de menor. Chegava lá, achava um poste e ficava
no sereno, só vendo o movimento feito fiscal de feira, a mulherada naquele
entra-e-sai, os caras chegando de táxi, e sempre uma cadela e um cachorro
engatando ali na frente das boates. De fora, via as luzes roxas, verdes,
lâmpada azul piscando, lâmpada vermelha, alguma dona saia com o copo na mão –
naquele nervosismo que elas inventam – e zangava, ali, fora, procurando macho,
esperando o touro dela, sei lá, depois entrava de novo, elas parecem que estão
sempre esperando alguém.
Nessas
horas, alguma falava com a gente. Uma pedia fogo, outra perguntava as horas,
tinha as que vinham encostando, então ficava aquela conversa. Como é, bem? Tudo
bem, e você? Tudo; e daí? Tem um cigarro, bem?
Numa
fração de segundos, ela pega o cigarro, acende. Mas e daí, bem? Estamos aí.
E
ficava nisso até que ouvia um não, se abalava, tentava o outro; era o homem
mais duro que havia naquele lugar. Certa noite, uma encostou para acender
cigarro, pegou no cacete dele, por cima da calça e, ficou alisando, começou a
perguntar se não ia gostar de um quarto ali pertinho, se ele não ia esbaldar de
se enfiar num lugar gostoso bem morninho, bem apertadinho, bem lá dentro – bem?
Aí ele perguntou aonde era tal quarto, ela apontou um muquifo que tinha naquele
tempo, depois derrubaram; um galpão cheio de aposentos com um corredor no meio.
Ali, do poste, a gente via os caras acompanhando as mulheres, alguma entrava quatro
vezes numa noite, com caras diferentes, e a gente na marcação: esse pegou sopa;
essa já faturou três com esse.
E
agora, a dona queria que eu fosse um deles, eu dizendo que não, já tinha bombado
uma dona de tarde... Então bombou pouco, bem – ela insistia, porque estava ali
com a mão nele, mexendo, e aquilo levantando, aí falei: - Hoje estou ruim de
grana, é isso. Ela perguntou quanto ele tinha, franziu o nariz quando contei,
lembro até hoje, virou pra mim e perguntou por que eu não pedia emprestado de
alguém. Aí, também falei que estavam ruins de grana, ela não quís saber quanto tinha,
calculou no ar e disse que dava.
Então,
aquela dona descobriu a mina: era só encostar ali e ir alisando, uma cooperativa.
Um sábado sim, outro não e, no fim, foi aquela dona quem escolou a gente; acho
que no final das contas ela até começou a gostar de mim, demorava mais, a gente
gozava e ela continuava deitada um pouco, um dia ficou me beijando no peito,
tem coisas que a gente nunca mais esquece. Era altona, tinha uma pinta no
queixo, aquele tipo latino de cabelo preto comprido.
Mas,
num sábado, encosta um táxi com três caras, o motorista acende a luz de dentro,
faz troco, e eu lá no poste, pose tipo guarda-costas. Eu já tinha me enfiado no
quarto com a alta, o caso é que, naquela noite o mesmo dinheiro de sempre tinha
rendido o dobro.
De
qualquer jeito, agora a gente estava ali sem dinheiro nem pra dividir um
refrigerante, aí desce do táxi minha mãe com mais dois caras, dá de cara comigo
no poste.
-
Que você faz aqui?
Fiz
um gesto com a mão, lembro até hoje, gravou-se aquele gesto no ar, ela viu que
eu não estava respeitando, aí começou a chover, ela mandou os dois homens
entrarem, que encontrava depois com eles lá dentro.
-
Queria conversar um pouco com você.
E
acho que cada um ia ficar ali ensopando na frente do outro se não passasse um
vulto correndo da chuva até o boteco. Tinha duas mesas, numa uns homens bebendo
com umas donas e na outra um cara trepado, palitando o dente com o pé na
cadeira; minha mãe parou na frente do cara e, eu nunca mais esqueço, perguntou
na maior calma: - Vai beber na mesa, bem?
O
Cara perguntou de volta – Por que?, desbeiçando um pouco, um desses indivíduos
que moram na boate, meio donos de tudo, tem a mulher dele e o seu taco de
snooker, aquela devia ser a mesa dele naquela hora. Aí, minha mãe: - Por que se
não vai beber comigo e os meninos, bem, a gente quer usar a mesa?
E
foi pegando o sujeito pelo braço e tirando da mesa, e o mesmo botou a mão no
ombro dela, pareciam até dois amigos de repente, aí comecei a respeitar um
pouco mais minha mãe. Sentamos os dois, eu só ouvindo de orelha em pé, minha
mãe rodeando:
-
E a sua madrasta, como vai?
-
Vai indo.
-
Não tem faltado nada lá?
-
Que eu saiba não.
Ela
perguntou se a gente não queria pedir alguma coisa, na hora respondi que, por
mim, não queria nada, mas se a senhora pedir uma cerveja a gente acompanha...
Naquele meu jeito, o mesmo de hoje, já tinha naquele tempo. Se a senhora pedir
uma cerveja a gente acompanha, minha mãe virou pra mim: e você? Ela descobriu
que tomava cerveja, mas não deve ter se conformado porque encheu um copo até a
boca e o meu até a metade.
E
ficou aquele negócio. Bicada na cerveja, papo furado. Bicada na cerveja, papo
furado. Ela queria falar comigo, mas, eu, no meu jeito de ser, não desconfiava,
comecei até especular do trabalho do meu pai, que marca era o carro dela,
quanto ganhava por mês, até que acabou a “loira suada” e veio outra cerveja.
Quando minha mãe percebeu, a gente tinha enxugado quatro e ela ainda não tinha
entrado no assunto comigo. Levantei para urinar, sai chutando pó-de-serra no
chão repleto de estrelas, hoje não: oito cervejas de litro para mim só para começar
a festar.
Mas,
minha mãe me pega: desde quando que ia lá, desde quando bebia, que tipo de
bebida, o que dizia pra meu pai. Nisso, uma colega interrompeu para pedir um
cigarro a ela, e minha mãe interrompeu o interrogatório, ficou amontoando
pó-de-serra com o pé no chão, porque no fim das contas ela sabia que não
precisava tanta pergunta se ela morasse em casa. Quando ela me via era na
esquina, parava o carro e me esperava sair pra escola, dava carona e era uma
conversa de dez minutos com aquele carro engasgando e tossindo fumaça preta para
brecar em cada esquina; acho que um carona de estrada, que ela pegasse na
rodovia, acabava conhecendo mais do que me conhecia.
Só
sei que quando dei até onde chegou o falatório estava amontoando aquele
pó-de-serra, aí declarei que cerveja era uma bebida que não fazia tanto mal,
era só não misturar nem beber de barriga vazia, fui inventar que não tinha
jantado e lá veio dobradinha – era a especialidade do boteco, ficava fervendo
num caldeirão, veio fumegando e minha mãe achou aquilo muito sadio. Daí ninguém
falou mais nada um tempo, porque não dá para falar com a boca cheia de dobradinha
com farinha de mandioca e, minha mãe quando comia só comia, fazia uma coisa de
cada vez mas fazia direito.
Até
aquela hora, ela só tinha se preocupado, nem bebeu direito. Algum tempo depois,
começou a comer e só comeu, repetiu o prato e, de repente, começou a se
despreocupar, pediu mais cerveja e eu vi que ela também tinha mania de encostar
a boca da garrafa na beira do copo, inclinar o copo para não espumar, e daí
começamos a beber com gosto. Acho que minha mãe desistiu de me dar conselho
antes de começar, acho que na hora em que me viu frequentando a boate e o
boteco. Ela deve ter percebido de repente que já tinha um filho homem e eu
também vi que ela já tinha muito cabelo branco, nunca tinha reparado.
Eu
tenho barba desde os doze anos, mas puxei isso de minha mãe, quer dizer, ela
tem os braços peludos. Sempre conheci minha mãe com aquele jeito de eterna
sofredora cheia de cabelos pretinhos com quarenta anos. Mas, agora, ali, eu via
que ela era mais velha do que ele, meu pai, quase com oitenta envelheceu duma
vez, de repente.
Bem,
chega um dos amigos dela, no jeito de subir o degrau do boteco percebi que
estava chumbado. Encostou na minha mãe perguntando se ainda ia demorar, coçando
o saco; ficava com dois palmos de canela de fora e aquele bolo de pano na mão,
coçando o saco.
-
Leva o menino, ué – o sujeito falou quando minha mãe explicou que queria falar
mais comigo. Ele ficou amontoando mais pó-de-serra, baixando e levantando a
sobrancelha, e o cara ali coçando o saco com uma mão e a outra, uma mão deste
tamanho, no ombro de minha mãe, as unhas cheias de graxa; então, lembro que
olhei as mãos da minha mãe e suas unhas tinham esmalte novo e estavam macias e
limpas. Que contraste! Engraçado, que a cara mesmo de minha mãe eu vou perdendo,
mas a mão não esqueço. Uma vez, vi ela limpando as unhas quando era menor.
Levantei para urinar
e senti que a bexiga estava quase estourando, comecei a andar e percebi que já
estava meio chumbado; fui urinando ali no muro e as ideias encharcavam o lugar.
Fiquei no chacoalhar do pinto, e agora queria pegar uma quente igual à
Baixinha; coitada dela, tinha virado a única mulher na minha cabeça e, acho que
tinha acostumado a se enfiar no quartinho apertadinho dela todo santo sábado.
Só sei que fiquei um tempo ali pensando em mulher, chacoalhando aquilo sem
parar, como se o pingo ainda não tivesse caído, até que me chamou – olha aí,
negão – e o negócio tinha crescido na mão dele, virou e falou com a outra mão
no meu ombro: que eu era amigo e tal, então, tinha que convencer minha mãe a
enfiar a gente numa boate.
E
só sei que dali a pouco era minha mãe com a mão no meu ombro, empurrando de
leve para ir entrando, enquanto ela discutia com o porteiro, e de repente, lá
estava vendo a boate por dentro com aquelas luzinhas muito mixas apagando e
acendendo feito um presépio, um conjuntinho tocando num canto e o pessoal
dançando com as mesas em volta; umas donas dançavam sozinhas batendo palmas e,
no fim, aquilo parecia uma festinha de aniversário. Digo que lembro, negão, foi
um instante desses que você fica de lado e vê você mesmo, fotografa a cena na
cabeça e nunca mais esquece, acho que não sabia o que fazer com a mão, do outro
lado o amigo de minha mãe coçando o saco. Coçou um tempinho, logo abriu os
braços e amontoou numa loira que veio dançando sozinha, saíram bailando os
dois, ela com uma blusa transparente e sem sutiã. Minha mãe entrou e fomos para
mesa com outro amigo dela, que estava com uma apelidada de Índia. A dona
começou a insistir que a gente devia beber, que minha mãe devia pedir uma
garrafa de vodka, coisa e tal, ela falou ao amigo: vou sentar com o menino
noutra mesa – mas o cara acho que nem ouviu, do jeito que estava entupido de
bebida e enfiado no decote da mulher.
Na
outra mesa, a gente foi sentando e concordava com minha mãe, que realmente não
devia misturar vodka com cerveja, que meu pai tinha razão: - Começou com
cerveja, o certo é continuar com cerveja.
Fiquei
fazendo as contas para saber se trinta anos antes ela já conhecia meu pai, não
lembro que conclusão tirei, mas, de repente, assim à queima bucha perguntei à
minha mãe. Por que ela tinha largado meu pai? E eu que sempre tinha escutado a
história dela própria, ouvi também da boca dele e lhe digo uma coisa, negão: É
sempre bom ouvir todo mundo e não condenar ninguém. Só sei que naquela conversa
na boate, uma hora minha mãe vira para mim e diz: Chega de assunto triste, vai
pegar uma mulher. Eu falei que não estava muito animado, porque são umas pedras
de gelo essas donas, tinha razão o amigo dela, nem valia a pena levantar dali
para acabar com nojo num quarto, o tempo de tirar a roupa e botar de novo, só servia
para gastar botão. Acho que eu estava era caindo numa ressaca, meio esbodegado,
mas, então, minha mãe disse um troço:
-
Pra uma mulher gostar de você, primeiro você tem que mostrar que gosta dela.
Lembro
que Leni falou, parou para bicar a cerveja e continuou.
-
A gente tem que esquecer que é puta; e, sim, uma mulher. Por isso, se você,
como homem, tem vontade, beija na boca, trata feito a mulher da gente em tudo.
Ela devolve do jeito que recebe.
Hoje
não, mas naquele tempo, negão, era tonto feito peru novo, fiquei ali me
mordendo. Meu pai lá, na cama dele, ou quem sabe ainda estragando a vista
redigindo texto de matéria para jornal, e ela ali falando em tratar as donas
como “a mulher da gente”, fiquei me mordendo sem abrir a boca: ela insistindo
se não queria tentar uma daquelas donas do salão, bem que eu tinha vontade
daquela de blusa transparente, mas continuei recusando tanto que tive medo de
ela pensar que era bicha. Eu estava mesmo esbodegado, mas não queria dizer isso
senão ela já ia querer me levar, mãe é sempre assim acho.
Minha mãe levanta,
vai e arrocha um homem, ela era rápida para contratar. Três-quatro palavrinhas
e saiu para os fundos com ela, voltou dali um minuto. Lembro que quís perguntar
– como é, beijou ele na boca que nem o pai? – uma coisa assim para desafiar,
sair no tapa e tal. Mas ela veio perguntar se esperava ela voltar, se não tinha
sono; respondi que esperava e mandou vir cerveja e um sanduíche de carne moída
– que acabou sendo uma das melhores coisas que comi na minha vida.
Ela
demorou uma hora. Não sei o que ela deu nem o que o macho devolveu, só sei que já
estava quadrado de esperar ali com o amigo dela, uma dona tinha conseguido um
strip-tease pior que aquele primeiro.
E
acho que por causa da ressaca, ou porque o ar era mesmo de tonto, como peru
novo, minha mãe voltou e fui deixando ela perceber que curtia uma raiva preta,
não queria papo.
Ela
me vira e me convida para o banheiro, urinar, fomos indo para os fundos e ela
aponta a saída:
-
Lá fora tem ar.
E
urinamos no muro, minha mãe agachada e eu, de pé, respirando o ar fresco, a
raiva me saindo no mijo, em silêncio, até que chacoalhei o negócio e ela
perguntou:
-
Vai bem isso aí?
Eu
respondi que ia, resmunguei. Ela explicou que eu tinha operado da fimose,
quando ainda vivia com meu pai, e tinha infeccionado a tal operação, em torno
de três-quatro anos e o negócio ficou feio. E ardia muito para urinar, ela
contou que prendia a urina, ficava quieto num canto porque a bexiga, de cheia,
doía com qualquer movimento. Leni me pegava por trás, para eu não chutar, me
apertava a bexiga com as mãos e eu urinava na marra, depois ficava chorando de
bexiga vazia, resmungando de raiva, mas feliz.
-
Além da tortura que te coloca como agente passivo, houve um fato marcante em
suas recordações da adolescência?
Olha
penetrante para o bonsai de coqueiro na mesa: - Vidrado, olhei bem focado e, vi
que a minha mãe tinha um pênis. Com tamanha perplexidade, fiquei paralisado!
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