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O Processo de Estados






Espírito do mundo subterrâneo (à esquerda).
Conforme a representação de um artista esquimó.
Ao lado, uma representação de Nierika,
passagem entre a realidade ordinária e a não-ordinária.
Pintura dos índios Huichol, do México






53

Sopro esse bambu,
persigo uma nota
e alcanço, apenas,
um tom doado pelo vento.


83

Flutuo fluido num éter imaginado
pode ser azul, verde sem saber certo.
Ah, diluir-me sobre o ventre da Mãe-Terra
- ser a alta onda sonora que espera
pela primeira estrela no prelúdio da noite,
refletindo no espelho.


Quero apenas o silêncio perene
ao meu desligamento, o vento derramando
a liberdade tranquila, além de mim –
e entre mim e os sinais de Netuno,
transcendo, sem medo,
maresia em meus cabelos esvoaçantes,
tenho todos os sonhos e idades.


Rubens Shirassu Júnior









            O “preço” que o xamã paga por seus dons é também uma conduta impecável, incompatível com a vaidade, a covardia, a mentira, o roubo, a busca de vantagens pessoais. É como se o espírito devesse libertar-se das pesadas cadeias que o prendem ao mundo egóico, para adquirir leveza e alçar voo. Daí, a iniciação xamânica envolver provas que exigem do aprendiz fé, coragem e desprendimento supremos. Esse contato íntimo com a morte, aliás, é um traço comum nas biografias dos xamãs. Muitos deles só iriam despertar seus extraordinários poderes de cura depois de sofrerem – e vencerem – gravíssimas doenças e outros tipos de ameaça à vida. Ao contrário da ciência racionalista – em que o cientista se mantém o mais “distanciado” possível dos fenômenos observados, para não comprometer a pretensa “objetividade” do experimento - no xamanismo o que vale é a experiência pessoal.
            Por isso, é difícil para o antropólogo entender o mundo xamânico. Os poucos que conseguiram acabaram tornando-se, eles mesmos, xamãs. É o caso de Carlos Castañeda, autor de oito best sellers sobre seu aprendizado com o misterioso Don Juan Matus. Outro que seguiu caminho semelhante foi Michael Harner, que trabalhou na seção de antropologia da Academia de Ciências de Nova York, EUA, como explica em seu livro The Way of The Shaman, a chave para abrir a porta da estranha realidade dos xamãs é passar do “estado ordinário de consciência (EOC)” ao que ele denominou “estado xamânico de consciência (EXC)”. “A diferença entre esses estados pode ser talvez ilustrada a partir de exemplos de animais”, afirma. “Dragões, grifos e outros animais que seriam considerados míticos no EOC são reais no EXC. Não há nenhum motivo – exceto o preconceito – para se considerar a descrição da realidade fornecida pelo estado ordinário de consciência como a única verdadeira.
            A psicóloga Doucy Douek, quando na presidência da Associação Transpessoal da América do Sul, com sede em São Paulo, é uma das pessoas que teve iniciação xamânica com Michael Harner, nos Estados Unidos. “Certas pessoas, não identificáveis no estado ordinário de consciência” - ela comenta - “são identificadas e curadas em estados alterados”. Para isso - informa Harner  -, o xamã, através de seus méritos pessoais, acumula “espíritos protetores”, dos reinos mineral, vegetal e animal, que irão auxiliá-lo no processo de cura.



Leia:




O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase, de Mircea Eliade, São Paulo: Martins Fontes, 2002;
Antropologia Estrutural, de Claude Lévy-Strauss, Rio de Janeiro, Editora Tempo Brasileiro, 1970;
Os Escritos de Antonin Artaud. Tradução, prefácio e seleção Cláudio Willer. Porto Alegre: L&PM, 1983;
Viagem ao País dos Tarahumaras, de Antonin Artaud, Coleção Rebeldes & Malditos, Porto Alegre, L±
Antonin Artaud: O Artesão do corpo sem órgãos, de Daniel Lins, Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999;
Xamanismo Ancestral - O legado da Índia antiga, de Akaiê Sramana, Editora Aldeia de Shiva;
Xamanismo Quântico - O legado do xamã, de Akaiê Sramana, Editora Aldeia de Shiva;
A Sabedoria do Xamã, de Hank Wesselman, Editora Rocco;
O Segredo do Xamã, de Douglas Gillete, Editora Rocco;
Santo Daime Revelado, de Gideón dos Lakotas, Editora Corpo Mente;
Magia Indiana - Atharva-Veda Fórmulas e Práticas, de Maurice Bloomfield, Editora Madras;
O Reino dos Devas e dos Espíritos da Natureza, de Geoffrey Hodson, Editora Pensamento;
O Caminho Quádruplo, de Angeles Arrien, Editora Ágora;
Universo Holográfico, de Marcos Torrigo, Editora Madras;
Os Quatro Ventos, de Alberto Villoldo e Erik Jendresen, Editora Ágora;
Meditações dos Animais de Poder, de Nicki Scully, Editora Pensamento;
Inca Myths, de Oscar Espinar La Torre, Editora Anka;
Animal Speak, de Ted Andrews, Editora Llewellyn;
Sacred Smoke, de Harvest McCampbell, Editora Native Voices;
Prevenções e Curas com Pedras, de Karl Startk e Werner E. Meier, Editora Robafim.







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